Wagner Moura: A existência de Bolsonaro é uma autorização a tudo o que existe de ruim


Wagner Moura no tapete vermelho do Festival de Veneza para a première do filme Wasp Network

Wagner Moura passou pela segunda vez no ano pelo tapete vermelho de um dos maiores festivais de cinema do mundo. Em fevereiro, exibiu em Berlim sua estreia como diretor em Marighella, sobre o guerrilheiro de esquerda que foi o maior inimigo da ditadura militar. Ontem, apareceu no red carpet de Veneza como um dos atores principais de Wasp Network, filme dirigido pelo francês Olivier Assayas, na competição pelo Leão de Ouro.

Adaptação do livro Os Últimos Soldados da Guerra Fria, do mineiro Fernando Morais, o longa foi produzido pela RT Features, do brasileiro Rodrigo Teixeira. Com um elenco que inclui Penélope Cruz, Gael García Bernal, Édgar Ramirez e Leonardo Sbaraglia, o filme mostra a história real de um grupo de cubanos que, na década de 1990, deixou a ilha para resistir ao governo de Fidel Castro a partir da Flórida, nos EUA.

Enquanto esses expatriados praticavam atos terroristas contra locais turísticos de Havana, para minar a principal base da economia do país, um outro grupo de cubanos resolve se infiltrar nessas organizações e defender Cuba desses atentados. Assim, o filme se torna um thriller de espionagem. Moura interpreta um desses expatriados cubanos. Aparece bastante em cena, tem uma performance marcante e ainda fala em três línguas: espanhol, inglês e russo. Desta última, o ator confessa que não tem o menor domínio. "Aprendi só o som das minhas falas. Foi divertidíssimo", disse Moura ao UOL, em Veneza, onde recebeu vários pedidos de entrevistas da mídia estrangeira, que lhe teceu elogios.

Moura disse que não tem medo de ficar excessivamente associado a filmes com temática política —Wasp, embora não seja um filme militante, tem uma visão que pende para a esquerda. 

"O que você produz é fruto do que você é. Sou alguém que se interessa por política, então isso aparece na minha produção. Mas cada trabalho é uma história."

Este filme, por exemplo, eu fiz porque queria trabalhar com o Olivier Assayas e também porque acho fascinante a história. É um filme em que você olha e há um equilíbrio. Você vê, por exemplo, cubanos derrubando aviões americanos que entraram no território de Cuba", diz o ator. "Houve uma injustiça no julgamento desses cubanos [espiões]. Foi tudo movido por ódio, porque a comunidade cubana de Miami é pior do que os bolsonaristas. É um ódio gigante."


Ao promover Marighella em Berlim, em fevereiro, Moura já mostrou língua afiada ao se referir ao então recém-empossado presidente Jair Bolsonaro. Agora, nove meses após o início do mandato, a virulência segue a mesma. E, segundo o ator, toda vez que se manifesta contra o presidente, vários de seus defensores o agridem pelas redes sociais.

"Dizem que vão me matar o tempo todo. Eu dei uma entrevista na Austrália e falei que estava com medo de voltar ao Brasil, mas fui mal interpretado. É que é o seguinte: o Brasil é um país em que você tem um presidente que autoriza a barbárie. A existência dele é uma autorização tácita a tudo o que existe de ruim", diz Moura. "Quando alguém me ameaça é porque se sente autorizado, mesmo que não por uma lei, mas pela postura do líder da nação. Ele empodera as pessoas na sua mediocridade, na sua desnutrição intelectual e humana."

"Por que estão queimando a Amazônia agora? Porque tem um presidente que é um imbecil que dá autorização tácita para o desmatamento, para o assassinato de indígenas, para a chacina nas favelas, para a destruição da cultura. Eu nunca vi na minha vida, nem na época dos militares, houve um projeto de destruição como agora."

Moura lamenta a hostilidade de Bolsonaro com certo tipo de produção cultural no Brasil não alinhada aos valores morais do presidente. "Mas a gente [os artistas e a arte] não vai acabar nunca. Ele pode dar um golpe forte, não só no cinema, mas na cultura em geral, mas não vai acabar com ela. Eu vejo que, em momentos de distopia, a cultura reage. Por isso mesmo que ele quer acabar com a cultura: ela é a primeira manifestação de reação à brutalidade e ao autoritarismo". 

Wasp Network ainda não tem previsão de estreia no Brasil. Mas Marighella vai entrar em circuito nacional em 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra. O filme traz, de modo indireto, um convite à sociedade a resistir a qualquer tipo de governo autoritário, em uma linha que tem parentesco com a de Bacurau, longa de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, vencedor do Prêmio do Júri em Cannes, que tem feito sucesso entre um público mais insatisfeito com o bolsonarismo.

"Bacurau é sensacional! Esse filme, Marighella, Democracia em Vertigem [documentário de Petra Costa, sobre o impeachment de Dilma Rousseff]... é natural que a cultura se manifeste. E vai ter cada vez mais", diz Moura, com certa esperança que nem todos os progressistas têm tido desde que Bolsonaro assumiu.

Nascido na Bahia, Moura é o que Bolsonaro há alguns meses generalizou como sendo "paraíba". "O Nordeste, hoje... eu tenho super orgulho de ser dali. Eu vou a Salvador e tenho orgulho de olhar [a cidade] e pensar: 'Aqui, ele [Bolsonaro] se f...'", diz o ator.

"Eu fui a um show da [cantora trans] Liniker em Salvador. Não conhecia bem, mas adorei. Nos corpos das pessoas, no público, você via o antibolsonarismo em si: pretos, meninas de mãos dadas, os caras se beijando. Uma juventude linda e livre, sem dizer nada. Os corpos deles eram a representação de tudo o que Bolsonaro quer destruir. Isso não vai acabar". 

Fonte: UOL

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