Para interpretar Pablo Escobar, ator morou seis meses na Colômbia, onde rodou a produção, e aprendeu espanhol.
SÃO PAULO- Além de imagens de arquivo, a série é narrada por Steve
Murphy (Boyd Holbook), um policial do DEA (Drug Enforcement
Administration, órgão do governo americano responsável por combater o
narcotráfico), que explica a trajetória do comércio de cocaína na
Colômbia e ascensão de Escobar, que passou de contrabandista a dono de
uma das maiores fortunas do mundo, com citação na revista “Forbes”.
Rodada na Colômbia, a atração mostra a história de Escobar em ordem
cronológica em dez episódios. Ao conhecer produtores da droga, o
criminoso começa a ter ideias de como otimizar a venda e expandir os
negócios para o mercado internacional, com destaque para os Estados
Unidos, onde chama a atenção do governo. O que impressiona é a rede que o
traficante cria na Colômbia, com suborno e ameaças a autoridades de
diferentes escalões e olheiros em todos os pontos do país.
— Ele é um cara muito complexo. E essa complexidade está colocada na
série. Pablo era um cara muito ligado à família, apaixonado pelos filhos
e pela mulher, muito amigo dos amigos de infância mesmo depois de ter
ficado milionário. Construiu não sei quantas mil casas para as pessoas
pobres e, ao mesmo tempo, é um dos bandidos mais conhecidos do século XX
— compara o ator.
Para entrar no clima, Wagner chegou à Colômbia em abril de 2014 e
passou seis meses se preparando antes das gravações, que só terminaram
em abril deste ano.
—
Estava envolvido com o personagem, lendo livros e vendo filmes,
documentários. No total, é um projeto que já me levou quase dois anos.
Fui só e minha família ficava indo me ver, passava um tempinho lá.
Quando eu tinha uma pausa, vinha para o Brasil — recorda-se.
No processo de imersão, teve que ganhar peso para ter a barriga
saliente do traficante, que fica evidente nas imagens, em que aparece
com o rosto mais redondo.
— Fiquei gordo. Engordei 20 quilos. O mais difícil foi realmente a
língua. É e sempre será mais confortável trabalhar em português. Em
“Elysium” (2014) foi difícil falar em inglês. Tive que aprender uma
língua e sotaque. Eu não sabia espanhol e aprendi o de Medellín. Isso me
jogou com força para o personagem — acredita o ator, que teve sessões
de prosódia para falar paisa, como é chamado o sotaque da região.
Apesar de já ter perdido parte dos quilos que ganhou em sua estada no
país vizinho, o ator não está fazendo dieta, pois terá que ficar mais
pesado de novo em setembro, mês previsto para retornar à Colômbia para
rodar a segunda temporada da atração do Netflix. Enquanto não viaja, ele
permanece no Rio, onde tem reuniões sobre a cinebiografia do
guerrilheiro Carlos Marighella (1911-1969), que vai dirigir em 2016.
“Narcos” não é precursora ao contar a biografia do bandido na TV. A
série colombiana “Pablo Escobar: o senhor do tráfico”, exibida no Brasil
pelo +Globosat — que em agosto reprisa os 74 episódios em formato de
novela — é uma das produções mais assistidas do canal. Wagner está entre
os que viram:
— Todos os caras que fizeram o Pablo eu adoro ver. Gosto do Andrés
Parra (protagonista da série), que traz uma coisa engraçada, meio bufão,
o que acho bem legal. Acabo de ver o Benício del Toro no filme
“Escobar: paraíso perdido”, que já faz uma coisa mais pesada, o Pablo
mais cansado. Tudo isso aí eu vejo e reconheço como o Pablo que eu
estudei e pesquisei. Cada um tem o seu olhar.
Apesar de ser um dos poucos brasileiros na equipe de “Narcos”, que
reúne artistas latinos de diferentes países, como o chileno Pedro Pascal
(o Oberyn Martell de “Game of Thrones”), Wagner Moura foi escalado por
causa de sua exposição mundial, que começou com “Tropa de elite”. Hoje, o
ator tem em seu currículo produções internacionais como “Elysium”, em
que atuou ao lado de Matt Damon, na pele de um bandido, e “Trash: a
esperança vem do lixo” (2014), de Stephen Daldry, estrelado por Rooney
Mara e Martin Sheen. Ele garante não se sentir parte do esquema de
Hollywood:
— Eu não sinto que estou assim. Os americanos veem muito a carreira.
Eu não vejo isso como a minha carreira, vejo como a minha vida. As
escolhas que faço são coisas que vão me enriquecer na minha vida, que
vão fazer sentido na minha vida pessoal. Sempre peso a minha família,
tenho três filhos, moro no Rio. Agora que estou falando espanhol, tenho
mais vontade de fazer filmes na Argentina, no México. E aberto a
personagens bons nos EUA e aqui no Brasil.
No dia em que conversou com a Revista da TV, durante um evento em que
o Netflix levou a São Paulo parte do elenco de suas séries originais,
como “Orange is the new black”, o baiano tinha o mesmo status de estrela
que seus colegas gringos, com entrevistas cronometradas e um entourage
que o acompanhava pelos corredores de um hotel.
Por conta de “Narcos”, Wagner teve que recusar convites para outros trabalhos.
— A série é um comprometimento maior que um filme. Agora mesmo eu ia
fazer o remake do “The magnificent seven” (com Chris Pratt, Denzel
Washington e Ethan Hawke) e não pude porque a Netflix me queria para
divulgar essa temporada. Mas é assim. Estou muito feliz de estar
lançando essa série porque tenho orgulho — minimiza.
Distante da TV desde 2007, quando atuou em “Paraíso tropical”, o
artista trilhou um caminho bem-sucedido no cinema e fez parte do elenco
de filmes elogiados, como “Praia do Futuro” (2014), em que causou furor
ao aparecer em cenas de sexo com outro homem. Entretanto, Wagner jura
não ter desdém pelo veículo que lhe deu popularidade.
— Veja que engraçado. Estou fazendo televisão (em streaming). Eu ia
fazer agora na Globo a série “Dois irmãos” (estrelada por Cauã Reymond),
fiquei quase dois anos esperando o Luiz Fernando Carvalho. Quando
aconteceu, eu já estava envolvido com “Narcos” — revela ele, que
reconhece a mudança no mercado brasileiro:— A novela é um produto
diferente, muito latino e da cultura brasileira. Você demora um ano
fazendo. Mas, a Globo está produzindo mais séries boas, entendeu que não
compete com a Record e SBT, ela concorre com Netflix e HBO. O padrão de
qualidade aumentou. Se aparecer uma coisa boa na Rede Globo e quiserem
que eu faça, eu vou fazer também.
Além do lado artístico, Wagner é conhecido por seu engajamento
político. O ator, que já apoiou Marina Silva, sente que o país não passa
por um bom momento.
— Muito antes dessa coisa do petrolão e escândalos de corrupção, eu
dizia que o Brasil melhorou muito nos últimos dez anos e piorou nos
últimos dois. Há uma crise evidente, só não vê quem está ideologicamente
cego. Uma crise ética, institucional, falta de crença absoluta nas
instituições, o que é perigoso, leva a radicalismos, gente na rua
pedindo a volta da ditadura. É uma coisa complexa — analisa o baiano,
que afirma ter sido alvo de comentários por seu posicionamento: — Recebi
críticas da direita e da esquerda. Depois da última eleição, tão
acirrada, virou o país do Fla-Flu. Fiquei feliz por não estar aqui nas
eleições (de 2014, em que não votou).
Ele, porém, defende que alguns aspectos nos rumos que o país tomou nos últimos anos.
— Essa crise não descarta os avanços, a quantidade de pessoas que
saíram da miséria, o aumento de uma classe média que está na rua
protestando. O exemplo legal é a Colômbia, um país destruído há 20, 30
anos, que se reconstruiu. É possível. É um país que se reconstruiu com a
valorização da ideia de cidadania. É terceiro mundo igual a gente. Há
exemplos legais para tirar de lá.
*O repórter viajou a convite do Netflix
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