Wagner Moura: 'Ser radical como artista é diferente de humilhar os outros'
Matéria de André Miranda
- Ator revela que vai viver o palhaço Bozo no cinema, defende o politicamente correto, lamenta geração ‘de direita’, diz admirar rolezinhos e critica gestão Dilma.
- Ele repetirá a parceria com José Padilha, de ‘Tropa de elite’, em filme sobre o crime internacional na fronteira entre Brasil, Argentina e ParaguaiBERLIM - Após o frio alemão, Wagner Moura fará uma viagem pela máfia internacional na Tríplice Fronteira, com direito a escala para viver o Bozo.
O ator está no Festival de Berlim, onde apresenta hoje “Praia do Futuro”, filme de Karim Aïnouz que traz Wagner de volta à competição de uma das mais importantes mostras do mundo, a mesma que deu a “Tropa de elite” um Urso de Ouro em 2008.
No filme de Karim, Wagner interpreta um salva-vidas brasileiro que tenta uma nova vida na Alemanha, trama que pode ser relacionada à sua recente trajetória profissional: ele não abandonou o Brasil, mas tornou-se conhecido no mundo desde que estrelou “Elysium” (2013), de Neill Blomkamp, e deve ganhar popularidade com as estreias de “Trash”, de Stephen Daldry, prevista para o primeiro semestre, e de “Rio, eu te amo”, filme em episódios de vários diretores, que também deve chegar às telas neste ano. Em paralelo, Wagner prepara-se para viver o palhaço Bozo e para voltar a trabalhar com José Padilha (de “Tropa...”) numa trama sobre o crime internacional na fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai. Em entrevista em Berlim, o ator, de 37 anos, disse admirar os rolezinhos, chamou o governo Dilma de “incompetente em várias áreas” e afirmou lamentar que muitos dos novos comediantes brasileiros “sejam garotos fascistas”.
Vamos falar primeiro de “Praia do Futuro”? Você já viu o filme?
Acho
que é o filme mais bonito que já fiz. O Karim tem um apuro estético
muito grande, e não conheço um diretor que tenha tanto cuidado com a
complexidade dos personagens. Quando você assistir, vai perceber que
quase não tem personagem. São praticamente três caras, e cada um tem uma
história, um conflito.
Você fala alemão no filme?
Falo. Mas em poucas cenas.
Como foi isso?
É a língua do demônio (risos).
Contrataram uma professora, e nas primeiras aulas entendi que não iria
conseguir aprender alemão. Aí pedi que ela trabalhasse comigo aquelas
cenas.
Como estão seus outros projetos? Quando roda o filme sobre Marighella?
Em 2015.
E o filme em que vai interpretar Federico Fellini, “Fellini black and white”?
O
“Fellini...” foi uma tragédia. O diretor morreu. Eu me encontrei com o
produtor, Andrew Lazar, em Los Angeles, quando fui lançar “Elysium”, e
combinamos que não deixaríamos o filme morrer até em memória do Henry
Bromell, que escreveu e ia dirigir. Mas o Lazar acabou entrando em outra
produção. E o chato é que o “Fellini...” estava na boca de fazer quando
o Bromell morreu. Deixei de interpretar o protagonista do “Serra
Pelada” por causa do “Fellini...”. Agora, fico esperando que alguém me
ligue a qualquer momento, mas não tenho como ter certeza.
Além desses, mais o quê?
Tenho
um projeto novo com o José Padilha, que vamos rodar no fim do ano. É um
projeto antigo do Zé, na Tríplice Fronteira, ainda sem título, mas com
roteiro pronto, que deve ser feito este ano. E tenho outro que é o filme
sobre o Bozo, do Daniel Rezende. O roteiro é do Luis Bolognesi e vai
ser focado num dos caras que fizeram o Bozo e que tem uma história
extraordinária. Hoje ele é pastor. E o Bolognesi colocou dois conflitos:
um de um sujeito que fica famoso com a cara de um palhaço, nunca é ele
mesmo; e a história da relação desse sujeito com o filho, porque o ator
do Bozo ficou uma época superdoido, usava drogas, e ainda assim animava
todas as crianças, menos o próprio filho.
Por falar em Padilha, você faria um “Tropa de Elite 3”?
Não
faria, nem o Zé faria. Esse filme não vai existir. Se a ideia é falar
de trilogia, a trilogia é “Ônibus 174”, “Tropa de elite 1” e “Tropa de
elite 2”. São esses três filmes que tratam de segurança pública. Se
houvesse um novo “Tropa de elite”, o que iria acontecer com o
Nascimento? Ainda tem muita coisa para falar sobre segurança pública,
mas dramaticamente para onde iria o Nascimento?
Os trabalhos têm levado você a ficar muito tempo fora do Brasil. A distância o faz ter uma visão diferente do país?
Acho
o Brasil um país tão único. É gigante, com uma diversidade cultural
enorme, sem histórico de guerra e com capacidade econômica incrível,
cheio de reservas naturais. O que podíamos era mostrar ao mundo uma
forma de desenvolvimento diferente, dar atenção a questões que são
sempre tratadas como apêndice na política tradicional, como os direitos
humanos, a ecologia e a cultura. E não estou defendendo uma cultura de
benevolência. Eu não me interesso pelo desenvolvimento chinês, um país
que cresce loucamente, mas onde as pessoas não têm liberdade para falar e
há gente trabalhando em regime análogo à escravidão. E também as outras
formas de desenvolvimento testadas em outros países, no mundo
capitalista, já mostraram que ferram com o meio ambiente. A gente tentar
reproduzir algum desses modelos é uma mostra de falta de originalidade
para um país muito original.
Mas quais são as responsabilidades dos governos?
Houve
uma oportunidade perdida no governo Lula e que piorou no governo Dilma.
Desde que me entendo como pessoa, o presidente mais importante que o
Brasil teve foi o Lula, porque diminuiu a desigualdade social. O
Fernando Henrique estabilizou a moeda, mas o que o Lula fez depois foi
fundamental. Só que ficou nisso. O governo Lula se beneficiou de uma
conjuntura internacional boa. Quando a chapa esquentou
internacionalmente, o governo Dilma se mostrou incompetente em várias
áreas, as fragilidades ficaram mais evidentes. E o pior é que a gente
tem uma postura triunfalista, comemorando vitórias o tempo todo. Foi a
mesma coisa com as UPPs. Falaram que haviam derrotado o tráfico, mas
depois virou um negócio sem sentido. É inocente: como pode achar que
levar um braço do poder público às zonas carentes seja a solução para
que aquele lugar tenha dignidade social, para fazer com que a população
tenha acesso à educação, lazer, hospitais? Levou a polícia e
praticamente só isso.
Já imagina em quem votará para presidente neste ano?
Declaro
meu voto sempre, mas não sei se vou para a TV apoiar alguém este ano.
Apoiaria a Marina Silva, mas estou agora observando a junção dela com o
Eduardo Campos. Com todo respeito a ele, e acho que é um bom político,
mas tudo o que o PSB não faz é política de uma forma nova, que é o que a
Rede propõe. A palavra mais escrota que existe no Brasil é
"governabilidade". Adoram dizer que sem o PMDB não se governa. Então
foda-se. Vamos ser utópicos e governar sem eles, sem esse jeito antigo. O
mensalão é isso, uma troca espúria de apoio por dinheiro, por cargos.
Você vai ao Congresso e é assustador. É por isso que quando qualquer
pessoa que não é político tradicional resolve se candidatar a um cargo
público, aí dá vontade de ir para a televisão apoiar. Por isso apoiei o
Jean Wyllys, e ele se tornou um ótimo deputado federal.
Você é um dos atores brasileiros que mais gostam de debater política. Você sente necessidade de falar ou os jornalistas perguntam muito sobre o tema?
Gosto desse assunto, e se você pergunta gosto de falar. Se você não perguntasse, não falaria nada.
O debate político está mais inflamado no país?
A
direita sempre foi muito forte no Brasil, o Partido Comunista
Brasileiro viveu na clandestinidade décadas. Mas estou longe de ser
comunista.
Só que você se posiciona à esquerda.
Sim.
Mas o que é esquerda? Tenho medo de me posicionar completamente. Nunca
fui filiado a nenhum partido. E nem acho que o governo Lula tenha sido
um governo de esquerda, só fez uma coisa que qualquer governo decente
deveria fazer, que é diminuir a desigualdade social. Mas a esquerda
também é cercada de atos controversos. Acabei de falar mal da China.
Cuba é uma ditadura, e nenhuma ditadura deve ser louvada. Acho que tenho
um olhar mais humano, menos elitista, menos classista, e a isso se
convencionou chamar de esquerda. Quando eu vejo o Jair Bolsonaro se
juntar ao Marco Feliciano para tomar a Comissão dos Direitos Humanos da
Câmara, não posso deixar de me opor a isso. E quando eu vejo os
rolezinhos, não consigo achar ruim.
Por quê?
Porque
é bacana que garotos da periferia entrem em shopping center e tenham
aquele espaço como deles também, como cidadãos que são.
Você se sente obrigado a se posicionar politicamente?
Não,
nenhuma pessoa pública tem obrigação de nada. A obrigação de qualquer
artista é com sua arte. Arte e política só devem se misturar quando está
no DNA do artista. Como o José Padilha faz. Como Brecht fazia.
Você não é filiado a partidos. Mas descarta concorrer algum dia a algum cargo público?
Minha
mulher não deixaria nunca. E também não quero levantar bandeira por
levantar. Sou amigo do Marcelo Freixo, mas não sou do PSOL. Há
radicalismos de todas as partes. O que faço é apoiar quem seja mais
progressista e menos arcaico em relação à vida. Acho que é uma questão
menos política e mais moral.
Você moraria fora do Brasil? Até por motivos profissionais, você sairia do país, para morar em Los Angeles, por exemplo?
Acho que não. Eu gostaria de trabalhar fora e voltar sempre.
Mas você busca trabalhar mais em Hollywood?
Eu
busco bons trabalhos, independentemente de onde seja. Pode ser em
qualquer lugar. Já recusei muita coisa de Hollywood, da mesma maneira
que houve coisas que eu gostaria de fazer, e eles preferiram o Javier
Bardem.
Essa imagem do ator latino em Hollywood te incomoda?
Não. Eu sou latino, e qualquer personagem que eu fizer falando inglês vai ser um estrangeiro. Não sei falar inglês como eles.
Há alguns anos, você escreveu um texto pedindo respeito depois que um programa de TV fez uma brincadeira com você, jogando algo no seu cabelo. De lá para cá, algo mudou?
É uma pena que muitos
comediantes, e não só comediantes, mas muitos artistas jovens
brasileiros sejam de direita. Sejam garotos fascistas. Eles fazem um
trabalho que a gente ensina nossos filhos a não fazer. Apontam para os
outros e dizem “hahaha, você é preto, você é viado, você é aleijado”. Eu
sou politicamente correto. O politicamente correto é uma ferramenta
civilizatória que inventamos para que uma criança negra não veja um
negro sendo humilhado na TV. Mas todo garotão que é artista gosta de
dizer que o maneiro é ser politicamente incorreto. Isso não é engraçado,
não é humor. Ser radical como artista é diferente de humilhar os
outros.
Mas você sofre pela falta de privacidade. Por exemplo, você hoje é reconhecido na rua no exterior?
Acontece muito com brasileiros que moram fora do Brasil.
Você tem medo que isso cresça? Que você não consiga nem tirar férias sem alguém chegar para tirar uma foto?
Não
tenho, não. Acho que é consequência do trabalho. Sempre tentei manter
minha vida discreta, e imponho limites. Por exemplo, não vou com minha
mulher em festa. Não vou jantar no Leblon porque sei que posso ser
fotografado. Mas não acho que tenho uma vida cerceada. O ruim é que
quando você tenta não se comportar como uma celebridade, as pessoas
acham que você é arrogante. E eu não sou nada disso, eu sou apenas um
ator.
* André Miranda está hospedado em Berlim a convite do festival
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Fonte: O Globo
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