Filmografia: As Três Marias

Sinopse:
No início dos anos 70, em pleno sertão pernambucano, Firmino (Carlos Vereza) é abandonado por sua noiva Filomena (Marieta Severo), que se casa com Borges Capadócio. Firmino passa a nutrir um profundo ódio contra a família de sua ex-noiva, chegando ao ponto de, 30 anos depois, ordenar que seus filhos matem os homens da família dela. Após saber da tragédia, Filomena convoca suas três filhas, Maria Francisca (Júlia Lemmertz), Maria Pia (Luíza Mariani) e Maria Rosa (Maria Luíza Mendonça), para arquitetar sua vingança. As três irmãs são então encarregadas de sair pelo sertão para encontrar e contratar matadores de aluguel, sendo que cada uma passa por dificuldades próprias para cumprir sua tarefa. 

"Dirigido por Aluízio Abranches. Com: Marieta Severo, Júlia Lemmertz, Maria Luísa Mendonça, Luíza Mariani, Tuca Andrada, Enrique Diaz, Fábio Limma, Cassiano Carneiro, Wagner Moura, Lázaro Ramos e Carlos Vereza.

As Três Marias, novo trabalho do cineasta Aluízio Abranches, é um filme que pode ser visto de duas maneiras: uma mais superficial, concentrando-se apenas na trama de vingança; e outra mais detalhada, avaliando os diversos símbolos espalhados ao longo da projeção. No primeiro caso, o público certamente sairá do cinema decepcionado, já que a história é simples e pouco original; em contrapartida, caso se disponha a mergulhar nas alegorias apresentadas pelo cineasta, o espectador descobrirá um filme bem mais interessante e que merece ser discutido após a sessão.

Partindo de um roteiro original escrito por Heitor Dalia e Wilson Freire (que me lembrou bastante do livro Ontem à Noite era Sexta-feira, de Roberto Drummond), As Três Marias tem início quando o patriarca da família Capadócio e seus dois filhos são cruelmente assassinados por membros de uma família rival. Decidida a vingar a morte do marido e dos filhos, a viúva Filomena (Severo) reúne suas três filhas, todas batizadas de Maria, e demonstra seu propósito ao dizer:`Quero o luto, não as lágrimas. (...) Nunca se deve alimentar uma dor sem antes dar de comer ao ódio`. Em seguida, ela ordena que cada uma de suas filhas procure um assassino a fim de encomendar a morte de seus inimigos. Como não poderia deixar de ser, cada um dos três criminosos abordados pelas moças tem personalidade marcante: o primeiro, Zé das Cobras (Diaz), é um sujeito que se recusa a falar com mulheres e vive cercado por cobras venenosas (até mesmo sua roupa é feita do couro do réptil); o segundo, Cabo Tenório (Andrada), é um policial que só age de acordo com a Lei e tem predileção por executar seus trabalhos com facões; e, finalmente, o terceiro é Jesuíno Cruz (Moura), um homem com traços esquizofrênicos que acredita fanaticamente na dualidade do homem (não é à toa que possui uma cicatriz que divide seu rosto ao meio).

O primeiro detalhe facilmente observável em As Três Marias é a insistência de seu diretor em evitar o naturalismo excessivo: seus personagens não conversam como pessoas comuns, mas sim de maneira solene, quase teatral.  `Se tens coragem de matar o Azedo, quero que mate o Arcanjo da Morte`, diz uma das garotas, em certo momento. No entanto, em vez de conferir um tom artificial ao filme, a declamação dos diálogos soa como uma escolha perfeita para esta história que, afinal de contas, não esconde sua natureza de verdadeira parábola – algo realçado pela eficiente trilha sonora de André Abujamra e pelo uso grandioso de câmeras lentas em momentos-chave da narração, como na cena em que Filomena recebe a trágica notícia sobre o marido e os filhos.


Além disso, a compreensão dos símbolos existentes no filme é, inquestionavelmente, algo fundamental para a plena apreciação da história: logo no início, por exemplo, Abranches afasta sua câmera de Filomena no instante em que esta é informada da tragédia e revela, nos fundos da casa, um verdadeiro jardim de cactos, numa bela representação da nova vida da personagem após o ocorrido: uma existência árida, sem amor ou sentimentos de esperança. E mais: ao apresentar os três assassinos profissionais para o espectador, o cineasta nos bombardeia com uma série de signos: a aparição de Zé das Cobras é precedida por imagens de escorpiões e crânios ressequidos de animais; Cabo Tenório é introduzido com a aparição de uma cruz que converte-se em faca; e Jesuíno Cruz tem sua crença na dualidade representada por símbolos opostos, como a face de Jesus e um rosto diabólico. Curioso, também, é perceber a estreita ligação entre cada um dos criminosos e um animal: Zé das Cobras e seus répteis; Cabo Tenório e o raivoso cachorro Azedo; e Jesuíno e o `Cavalo do Cão` (seu codinome). Da mesma forma, cada um possui seu instrumento favorito de ataque: veneno, arma branca e arma de fogo, respectivamente – algo que encontra claro reflexo em suas personalidades.

Porém, as figuras alegóricas mais visíveis em As Três Marias estão relacionadas a um intenso sentimento de religiosidade: além da presença constante de igrejas e cruzes, suas protagonistas estão sempre se benzendo e, em determinados momentos, fazendo citações bíblicas. Numa representação clara do olhar de Deus (e, provavelmente, da inevitabilidade do Destino), o filme constantemente coloca seus personagens sob a sombra simbólica do cristianismo, como na cena em que o Cabo Tenório faz um anúncio para os cidadãos de sua vila enquanto a Igreja local aparece ao fundo, gigantesca. Da mesma forma, é interessante observar o confronto entre Jesuíno da Cruz (percebam o nome e sua dupla referência ao catolicismo) e sua vítima, que ocorre justamente em frente a um altar. E o que dizer da bela seqüência em que Maria Rosa encontra o Arcanjo em uma boate banhada por uma luz vermelha (e com azulejos da mesma cor), numa clara alusão ao próprio Inferno?

Como é fácil constatar, As Três Marias possui uma temática infinitamente mais ambiciosa do que poderíamos imaginar a princípio, o que sempre é uma grata surpresa. Isso prova que, em algumas ocasiões, um filme não precisa ter um roteiro complexo para permitir que seus espectadores possam discuti-lo a fundo. Basta, apenas, contar com um diretor talentoso." 

Texto de: Pablo Villaça



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Fonte: Wikipédia e Cinema em Cena

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