Adepto do estilo "axé acting", Wagner Moura ganha 1° grande papel em filme americano

TETÉ RIBEIRO
DE SÃO PAULO
"Não era nada disso que eu queria", é o que ouve Wagner Moura do diretor sul-africano Neill Blomkamp ("Distrito 9") na primeira leitura do filme "Elysium", que estreia no Brasil no dia 20.

O brasileiro tinha chegado bem preparado para o primeiro trabalho em Hollywood, cenas decoradas e um jeito de falar e andar que treinou em casa.

O diretor, os produtores e os outros atores do filme, nomes como Matt Damon, Jodie Foster e Alice Braga, estão com o texto na mão. A leitura é o momento em que os atores entendem o ritmo um do outro, e o diretor vê seu time unido pela primeira vez.

Mas Wagner, 37, chega pronto e resolve mostrar o que tem. "Todo mundo leu, eu botei meu roteiro de lado e saí fazendo o personagem, com voz rouca, mancando para lá e para cá, gesticulando muito", lembra. "As pessoas foram ficando assustadíssimas." No final, o diretor o chama de lado e sentencia: "Não era nada disso que eu queria". Mas complementa: "Gostei, vamos investir".

É a essência do "axé acting".

Quem explica a técnica é um de seus melhores amigos, o também ator e também baiano Vladimir Brichta: "Baiano não é cool. Se for para errar, a gente erra para cima, nunca para baixo. A gente sangra e transpira pelo personagem".
O termo foi criado por Cacá Diegues, diretor de "Deus É Brasileiro", filme que revelou Wagner, aos 27 anos, em 2003. "Minha tendência como ator é sempre fazer mais. Esse negócio de 'menos é mais' é um chavão", diz.
Dez anos depois, em Hollywood, ouvir "vamos investir", quer dizer alguma coisa. "O personagem tinha um problema na perna, e eu quis usar uma bengala. Pedi ao diretor e, em cinco minutos, tinha 50 bengalas para eu escolher", lembra Wagner. "Essa é a diferença de filmar lá, é muita grana. Os caras te tratam bem. Meu trailer tinha até lareira."
No filme, Wagner interpreta Spider, um mix de hacker e traficante de gente, que descobriu um jeito de transportar os pobres para o mundo dos ricos. A história se passa em 2154, e a Terra, destruída, é controlada por robôs, que usam e descartam os seres humanos, mais ou menos como fazemos hoje com um celular de dois anos atrás.

POR INTEIRO

Encontro Wagner numa tarde fria de domingo. Ele está mais magro, exigência do filme "Trash", dirigido por Stephen Daldry, de "Billy Elliot" (2000).
Dessa vez, Hollywood veio até o Brasil: o longa está sendo rodado no Rio, com Rooney Mara, Martin Sheen, Selton Mello e três crianças desconhecidas, em seus primeiros trabalhos no cinema.
Durante as mais de cinco horas que passamos juntos, entre sessão de fotos, troca de roupa, almoço e entrevista, ele não recebe nem manda mensagens de celular, nem telefonemas, nada. "Digo muito mais não do que sim. Porque, quando eu vou, eu vou, por inteiro."
E fica, o tempo que for, fazendo tudo o que lhe é pedido, de bom humor. Dá risada quando o fotógrafo diz que ele "tá pagando de gatinho". E canta junto as músicas que tocam ao fundo, no estúdio, todas brasileiras. Em um momento, se emociona com a letra de "Naquela Mesa" ("Naquela mesa tá faltando ele. E a saudade dele tá doendo em mim"), música de Nelson Gonçalves, regravada por Otto. "Como é lindo isso", diz, de olhos fechados, acompanhando a letra e balançando o corpo.
Filho de um sargento da Aeronáutica e de uma dona de casa, Wagner Maniçoba de Moura nasceu em 27 de junho de 1976. Foi criado em Rodelas, cidadezinha com 8.000 habitantes nas margens do rio São Francisco. Aos 13 anos, mudou-se para Salvador com a família, formou-se em jornalismo e virou repórter de coluna social no programa de TV da apresentadora Michelle Marie.
Cobria festas e entrevistava socialites locais. Quando resolveu virar ator, começou fazendo testes de comerciais. "E animação de festa infantil, telegrama animado, fiz tudo isso", lembra. "A minha maior fonte de renda era o comercial de uma loja de material de construção", ele conta --e repete o texto, cara de vendedor, chamando a atenção para a liquidação de um piso. Convence.
Até filme americano ele fez. O ano era 2000, e Penélope Cruz protagonizou "Sabor da Paixão" ao lado de Murilo Benício, que flertava com uma carreira hollywoodiana. Na trama, Murilo era Toninho, dono de um restaurante que vai para a California atrás da mulher e deixa dois amigos --Lázaro Ramos e Wagner Moura-- cuidando do negócio. O filme foi um fracasso.
A sorte começou a virar quando ele fez uma peça chamada "A Máquina", em 2002, com Lázaro e Vladimir Brichta. O sucesso levou os três para o Rio, de onde nunca mais saíram. "Eles viraram a minha família", conta. O trio se encontra regularmente para o que chamam de "sessão bar Joia", uma noite de cerveja e conversa na casa de Lázaro. "A gente se consulta sobre tudo, trabalho, futebol, filhos, até carro", diz Vladimir.
Wagner mudou de cidade e de estado civil no mesmo ano. Conheceu a fotógrafa Sandra Delgado em Salvador, se apaixonou e a trouxe para o Rio. Os dois têm três filhos, Bem, Salvador e José.
No começo de agosto, Sandra foi a Los Angeles com o marido para a pré-estreia de "Elysium". Voaram de volta na noite seguinte porque era aniversário de Bem, que completou sete anos "e convidou dez amigos para dormir em casa".




ANTES DO NASCIMENTO

Filmou com Walter Salles em "Abril Despedaçado"; com Hector Babenco em "Carandiru"; com Jorge Furtado em "Saneamento Básico - O Filme". Fez duas novelas na Globo ("A Lua Me Disse", de 2005, e "Paraíso Tropical", de 2007), o humorístico "Sexo Frágil", o seriado "JK".
E então aconteceu com ele algo entre escalar o Everest e ganhar na loteria. Foi "Tropa de Elite", de 2007, que virou fenômeno antes mesmo de entrar em cartaz, por ter sido pirateado no Brasil inteiro e ganhado o Urso de Ouro no Festival de Berlim. Era o primeiro longa-metragem de ficção dirigido por José Padilha e tinha Wagner como o capitão Nascimento, um policial atormentado e violento. Teve mais de dois milhões de espectadores.
Três anos depois, a dupla se uniu novamente para a continuação desse que ficou conhecido como o primeiro blockbuster brasileiro. Em "Tropa 2", Wagner virou produtor e se associou a Padilha para controlar a distribuição do filme. Não teve pirataria antes da estreia e é o filme brasileiro mais visto da história, com mais de 10 milhões de espectadores.
"Só estou fazendo 'Elysium' por causa do capitão Nascimento. Além de toda a projeção que me deu, foi o personagem que me embrenhou na discussão política", diz. "Tinha sempre alguém dizendo que ele era fascista, gerou debate e eu adorei. Eu e o Zé Padilha quase saímos na porrada no mundo inteiro."
Ator e diretor estão agora em Hollywood, onde Padilha finaliza seu "RoboCop: A Origem", que estreia em fevereiro. "Vamos ter mais alternativas agora, podendo fazer filmes tanto no Brasil quanto nos EUA", afirma Padilha.
Se o capitão Nascimento vai estar sempre ligado à sua história, a política parece seguir o mesmo caminho. "Nunca fui militante de porra nenhuma, nunca fui para a rua, nem na época dos caras-pintadas, nem em junho. Mas gosto de política, de saber o que está acontecendo."
E de falar. "Sou prolixo e falo o que penso", afirma. Wagner já fez campanha contra a construção da hidrelétrica de Belo Monte. "E não me arrependo. Rodelas foi inundada pela barragem de Itaparica. Eu sei o impacto que o desvio de um rio provoca, e é gigante", justifica. "É energia limpa, mas e daí? Eu não sei a melhor resposta, tem cientista para isso."
No último Festival de Gramado, ele fez um discurso em que falou dos amigos Lázaro e Vladimir, "meus cronistas e ombudsmans", e lembrou o sumiço do pedreiro Amarildo. "Não foi nada preparado, mas era véspera do Dia dos Pais e fiquei pensando nisso. É uma coisa muito escrota desaparecer um cara assim."
Já criticou publicamente o deputado e pastor Marco Feliciano (PSC-SP), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, apoiou a criação da Rede, de Marina Silva, e fez campanha para o deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ), derrotado na última eleição para a prefeitura do Rio. O político foi a inspiração para o personagem Fraga, de "Tropa 2". "Não tenho medo, gosto do perigo", diz Wagner. Segundo o ator Paulo Betti, "o fato de ele se posicionar politicamente só o fortalece. Ninguém perde nada quando luta pelo que acredita".
Foi arriscando tudo que ele adaptou, produziu e protagonizou "Hamlet", de Shakespeare, em 2008. A montagem, dirigida por Aderbal Freire-Filho, fez sucesso de público, recebeu algumas boas críticas e outras péssimas. O príncipe da Dinamarca do ator baiano era debochado, irônico, explosivo, agitado.
"Eu não quis dar conta de 'Hamlet', nem poderia. Foi só a minha versão", diz ele, que até hoje divide as opiniões dos amigos e colaboradores. "Assisti ao 'Hamlet' do Wagner duas vezes. Era de um frescor como eu nunca tinha visto, havia eletricidade e vida em cada fala", disse o cineasta Fernando Meirelles, para quem o momento atual do ator se equipara ao de Neymar, "indo para o Barcelona jogar ao lado do Messi e do Xavi".
Lázaro Ramos é mais comedido: "Quando vi o resultado, me fiz a pergunta que faço sempre que vejo o trabalho dele: 'Por que não?'"
A DOR DAS CRÍTICAS

No ano passado, outra empreitada foi alvo de críticas. Ele se apresentou na MTV, em um tributo à banda Legião Urbana, como vocalista, no lugar de Renato Russo. E cantou, pulou, suou, vibrou. E, em alguns momentos, perdeu o tom. "Estava muito emocionado e tive problemas no microfone, não conseguia ouvir minha voz direito. É possível que tenha desafinado, sim. Mas o que eu vivi ali foi incrível, faria tudo de novo."
As críticas doeram. "Tem dois jeitos de uma crítica machucar. Um, quando você percebe que quem escreveu não entendeu nada. Outro, quando o crítico tem toda razão. Aí, é terrível."
E os críticos não vão ter opção a não ser seguir julgando os seus trabalhos. Ele já tem mais dois filmes prontos. O primeiro, "Serra Pelada", de Heitor Dhalia, em que também é produtor, estreia em outubro. "É para ser bom de público. É um filme de aventura, de gângster, e se passa em um período incrível da história do Brasil." No começo do ano que vem, estreia o longa "Praia do Futuro", de Karim Aïnouz, diretor de "Madame Satã".
Então, virá "Fellini Black and White", em que Wagner foi escalado para interpretar o diretor italiano em sua primeira viagem aos EUA, em 1957. A produção foi interrompida quando Henry Bromell, diretor do filme e produtor do seriado "Homeland", morreu de ataque cardíaco em março deste ano. "Na viagem que fiz a Los Angeles, eu e o produtor decidimos contratar um diretor para não deixar o projeto morrer", diz. "Mas ainda não posso revelar quem é."
Depois disso tudo, Wagner prepara o passo mais largo de sua carreira: a estreia na direção. O filme será baseado na biografia "Marighella - O Guerrilheiro que Incendiou o Mundo" (2012, Cia das Letras), do jornalista Mário Magalhães. "Foi Maria Marighella, neta do guerrilheiro, quem me deu o livro e a ideia. Ela disse: 'O filme tem que ser baiano, não podemos entregar isso para os paulistas'", ri.
"Marighella era muito cheio de axé. Pegou em armas para lutar contra a ditadura, mas era um homem dócil, carinhoso, contador de piada." Wagner conta que foi difícil resistir à tentação de viver o protagonista, assassinado em 1969, numa emboscada, na alameda Casa Branca, em São Paulo .
"Mas ele morreu com mais de 50 anos e era mulato, como o Caetano canta: 'Um mulato baiano, que morreu em São Paulo'." Ele se refere à música "Um Comunista", do disco "Abraçaço". "Ainda não sei quem pode fazer esse papel, mas o cara vai ter que ser muito versado no axé acting."

Fonte: Folha de São Paulo

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