Festival de Berlim: Capitão Nascimento se redime
O capitão Nascimento se redimiu em Tropa de Elite 2 e acabou depondo numa comissão parlamentar de inquérito, denunciando governador, secretário da Segurança, deputados e políticos do rio de Janeiro, que transformaram o combate ao tráfico nas favelas em manobras para ganhar votos.
Enquanto o herói do primeiro Tropa de Elite chegou a ser acusado de fascista por torturar e matar, a sequência denuncia políticos e, embora feito depois da invasão da favela do Alemão, trata justamente da questão da criação de milícias policiais que achacam diretamente a populaão, depois de terem eliminado os traficantes.
O público do teatro Friedrichstadtpalast de Berlim, gostou, tanto que aplaudiu longamente. A estréia de Tropa de Elite 2 na Europa é promissora e deverá seguir a trilha do filme precedente, premiado com o Urso de Ouro.
José Padilha com seu gorro de lã e malha vermelha, foi também aplaudido pelo público. Durante a tarde, Padilha, Wagner Moura e Maria Ribeiro tiveram encontros com a imprensa internacional. Falando inglês perfeito de antigo aluno de Oxford, Padilha tratou da corrupção no Brasil e criticou o governo do ex-presidente Lula, pelo mensalão.
Padilha e Wagner Moura
Em resposta a um jornalista norueguês, tanto Padilha como Wagner Moura acentuaram os valores da democracia brasileira.
Ambos contaram que não havia inicialmente a idéia de se dar uma sequência para Tropa de Elite, mas que todos os atores aceitaram o projeto ao serem consulados. Wagner Moura afirmou acreditar no talento de Padilha, razão pela qual voltou a filmar e a participar da produção. « Assim que Padilha me falou numa idéia para a continuação de Tropa de Elite, eu disse estou dentro » afirmou. Wagner, que se considera orgulhoso por estrelar o filme e curioso pela reação, tanto nos EUA, onde o filme já foi mostrado no Festival de Sundance como na Europa, pois o filme é bem entendido pelos brasileiros onde mostra uma realidade bem próxima.
Respondendo uma pergunta sobre o porquê do sucesso de bilheteria do filme no Brasil, Wagner Moura lembrou que, nestes últimos dez anos têm sido feitos muitos filmes criticando a sociedade e o governo. Isso porque viveu-se uma ditadura e só houve eleições nos anos oitenta. É natural que todos utilizem o fim da censura para exercer sua crítica, promover o debate sobre as questões cruciais do país.
Por sua vez, Maria Ribeiro acentou o fato de Padilha ter ensinado aos brasileiros ver os políticos de outra maneira, por isso esse novo filme não é uma simples continuação, são mais aspectos que Padilha queria mostrar sobre a violência no Brasil. Sobre o Elite 2, ela diz que personagem Rosane entendeu o que o marido fazia, porque antes ela ou não sabia ou não queria saber. « E o nascimento do filho ajudou muito nisso, diz Maria Ribeiro,antes ela queria salvar o casamento, depois passou a querer uma lar saudável para o filho. Esse um pequeno olhar feminino, num filmes masculino de violências ».
« O primeiro filme, disse ela, queria mostrar as relações da polícia com os traficantes de dorgas, porém o segundo cavou mais fundo, mostrando as relação que há entre a polícia e os políticos e sobretudo como os políticos manipulam as instituições principalmente policiais para manter o poder ».
Padilha curioso
Padilha confessava-se curioso pela reação dos espectadores, « este Festival que considero o melhor do mundo, tem a característica de ser voltado para o grande público e não só para compradores, distribuidores e gente do cinema. Meus dois filmes se complementam, diz ele, eles seguem uma certa lógica neles inerente. No primeiro, vê-se a a violência sob a ótica de um policial violento e que a pergunta decorrente é por que temos policiais assim, o que produz isso ? O personagem principal, que faz parte de uma patrulha, é violento no seu cotidiano mas não entende de onde vem a violência, acha ser normal e nós o seguinos
segundo o seu raciocínio ».
Porém, prossegue Padilha, « em Elite 2, esse policial vai entender porque ele é o que ele é, Ele é só uma peça no tabuleiro, mas no segundo filme, ele vê quem mexe nessas peças, ele olha para cima, ou seja, o segundo filme dá mais atenção à ligação entre os policiais e os políticos e explica porque a polícia age violentamente, esclarecendo o Elite 1. Padilha conta também estar assegurada uma boa distribuição do filme nos EUA e na Europa, melhor do que Elite 1. »
O cineasta revela também ter havido muita perda com a piratagem no Elite 1. Segundo apurou, o filme, no Brasil, foi visto por mais de 13 milhões de pessoas, das quais 11 milhões usaram cópias piratas e dois milhões de espectadores em cinemas. Para evitar essa repetição, Elite 2 evitou fazer uma finalização digitalizada, ficando a eles próprios assegurada a distruição.
Cortando a especulação de um Tropa de Elite 3, Padilha disse já ter esgotado a questão da violência policial em três de seus filmes, incluindo-se Onibus 174. « Eu costumo dizer não ter imaginação porque tudo que coloco nos meus filmes já aconteceu. No Elite 2, onde há um rebelião no presídio e um cara de uma ONG de esquerda está entre o Bope e a Polícia, isso já aconteceu, isso é verdade. Depois ele se torna deputado, é também verdade, esse cara existe. Depois ele descobre as milícias, um jornalista é sequestrado e ela tentar criar uma Comissão Parlamentar de Inquérito, isso também é verdade. E daí o Rio de Janeiro apresenta um programa para expulsar os traficantes das favelas e utilizar o poder da polícia com objetivo eleitoral. Isso está acontecendo no Rio de Janeiro. E a polícia que fica sem o dinheiro do tráfico de drogas, passa a controlar as favelas e se torna uma milícia. Essa milícia controla metade das favelas no Rio ».
Corrupção no governo Lula
Pergunta de um jornalista africano – A corrupção que se vê no filme significa que o governo de Lula fracassou ?
« O Brasil é um país muito grande e o governo tem de lidar com diversas questões, ou economicas ou sociais como a repartição da riqueza, muitas pessoas têm muito dinheiro e outras nada, a corrupção e a violência. Eu diria que o Lula foi bem sucedido ao lidar com certas questões e falhou com outras. Queria ver quem conseguiria solucionar todos os problemas de um país. Mas na questão da corrupção falhou de maneira lamentável, pois o governo Lula foi um governo corrupto, envolvido num esquema enorme de corrupção e todos sabem disso. O esquema se chamava de mensalão, boa parte do governo estava envolvida nisso e será julgado este ano pelo STF. Mas Lula escapou de alguma maneira, saiu bem, saiu incólume porque conseguiu bons resultados noutros setores. Ele conseguiu que boa parte da população pobre se transformasse em classe média e isso é importante. Esse sucesso economico lhe garantiu eleger sua candidata.
Padilha acha que uma das razões do êxito de bilheteria, o maior da América do Sul além de Avatar, é que, com o apoio do Marco Aurélio Marcondes, ex-Embrafilmes, se ter assegurado não só a realização de Tropa de Elite 2, mas inclusive sua distribuição, e isso por uma pequena empresa de dez pessoas. Outra coisa é ser importante a relação entre as pessoas e o conteúdo do filme devido à Internet, mais importante que o marketing, pois divulgam entre e falam nos blogs e nos foruns. Essa prática de se fazer o filme e distribuí-lo vai ser copiada e se alastrar, devido à Internet.
Padilha nega fascismo no Elite 2
Sobre as acusações feitas ao primeiro filme, de fascista, José Padilha foi taxativo -
« Houve essa acusação ao primeiro filme, mas não contra o
Elite 2. Mas digo o seguinte – eu não penso o mundo em direita e esquerda, como se houvesse um Muro no meu cérebro. Faz muito pouco sentido, hoje em dia, se discutir o mundo em termos de esquerda e direita. Por exempo, quando se fala o Lula é de esquerda, que informação isso dá ? O Lula tinha uma política monetária restritiva, juros altos, a política dele não é de esquerda mas as pessoas acham que ele é de esquerda, enquanto a oposição, o Serra, é a favor do bolsa família. Isso não tem mais sentido esse debate. Não é mais necessário se olhar o mundo segundo uma perspectiva marxista ou liberal. Existem outros modelos para os processo sociais. Isso não é mais de atualidade, porém serve para os políticos que procuram agradar seus eleitores de esquerda ou de direita.
Sobre o capitão Nascimento, Padilha disse considerá-lo como um personagem típico de tragédia grega, que evolui rapidamente e caminha para um final trágico no final. No Elite 2, ele está consciente disso e essa é a diferença entre os dois filmes. No primeiro, ele quer sair da tropa, mas não sabe porque; no segundo, ele começa a entender e os políticos lhe deram uma função burocrática para afastá-lo, mas é justamente nessa nova função que ele começa a entender o que acontece, ter sido sempre uma simples peça no mecanismo, sendo manipulado como marionete.
Por Rui Martins - jornalista, escritor, correspondente em Genebra, convidado do Festival de Cinema de Berlim.
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