Depoimento de fã





No último final de semana, veio a Goiânia, a peça Hamlet, protagonizada por Wagner Moura sob a direção de Aderbal Freire Filho. Devido a uns problemas pessoais, quase perdi o espetáculo, mas atendendo a um pedido muito especial arrumei minhas coisas e fui ao Teatro Rio Vermelho tentando buscar alguma mensagem daquela peça. Deixei o celular no colo, como um alerta para sair do teatro se houvesse qualquer emergência. O cenário, que por si só, já era convidativo me fez relaxar um pouco e penetrar naquele ambiente lúdico. Um quadro a ser apreciado. Passados uns 20 minutos a peça começou. Distanciando-se do personagem, Wagner elogiou o teatro e explicou a estrutura da peça, com um intervalo breve de uns 15 minutos. Para três horas de espetáculo, haja fôlego não é mesmo?

A peça começou, e enxerguei flashes de minha experiência de vida em cada cena, em cada gesto, em cada ato dos personagens. A interpretação do personagem hamlet estava forte, densa e me ajudou a responder algumas indagações. Em vez de um "ser ou não ser, eis a questão" a platéia ouviu a seguinte frase "é essa a questão".

Hamlet comunica pois fala sobre a vida. Nos motiva e refletir sobre ela e nos encoraja a tomar atitudes. E, contagiada, pelo sentimento de purificação que pude trazer uma mensagem ao chegar em casa. E, ao olhar nos olhos, da pessoa que merecia tanto aquelas palavras percebi o quanto a arte faz sentido e nos aponta caminhos para que sejamos seres humanos melhores.

Escrevi então uma carta à Wagner Moura, mas endereçada também a toda equipe, de forma a agradecer pela experiência da noite anterior. Foi o que a intuição pedia para fazer e guiada por ela fui até o hotel onde a equipe estava hospedada. Coincidência, ou providência, a atriz Georgiana Gois chegou no hall no mesmo instante que eu. Com a voz trêmula e tomada por uma emoção sem tamanho, expliquei de leve o conteúdo da carta e, na hora veio a resposta. "Pode deixar que entrego pra ele (Wagner)". Com uma paz inexplicável no coração agradeci pela gentileza e voltei para casa. Minha família ficou sabendo dessa atitude horas mais tarde, quando a produtora executiva da peça me ligou em nome de toda equipe para agradecer e transmistir boas energias para aquele momento difícil que a família passava.

- Boa noite, eu gostaria de falar com a Belisa.

- Sou eu mesma (respondi trêmula, já desconfiando que seria a produtora da peça).

- Estou ligando pra dizer que a equipe inteira do Hamlet leu sua carta, todos ficaram muito emocionados. Ligo em nome de todos pra te agradecer e desejar tudo de bom pra sua família.

- Nossa (eu já segurava as lágrimas). Que bom ouvir isso! Muito obrigada por ligar. A propósito o Wagner leu minha carta????

-Ixi foi o primeiro a ler. Ele leu sua carta pra todo mundo...

Não acreditava no que meus ouvidos ouviam. Por coincidência, passava na televisão um comercial em que Wagner Moura estava de braços abertos. Retornei a ligação perguntando se poderia conhecer a equipe e uma hora depois estava eu abraçando os atores que no dia anterior nem sabiam o tanto que tinham me ajudado com suas respectivas interpretações. Como é bom a acolhida entre seres humanos. Não vi ali atores globais com ar de superioridade. Terminada a peça a produtora perguntou:

- Quem é Belisa?

- Sou eu, confirmei.

- Sobe, vem pelo palco mesmo.

E lá ia eu rumo ao camarim. Na entrada já esbarrei com Tonico Pereira.

- Essa aí é a moça da carta, Tonico (disse a produtora).

Cumprimentei pela atuação e ele revidou:

-Parabéns pra você!

No camarim vi pessoas simples, distantes de qualquer estrelhismo construído pela Indústria Cultural. Enxerguei seres humanos acolhedores que também me agradeceram pelas palavras, e pelo envolvimento da peça como espectadora.

Estava tão nervosa que nem reparei que Wagner tinha colocado minha carta no espelho. Georgiana apontou e disse:

- Olha a carta dela ali.

Não acreditava no que meus olhos viam. Minha carta estava no espelho do camarim do artista que tenho como espelho. Foi muito forte esse momento, arrepei. E, aos poucos, os atores apareceram no camarim. "Ahh, você é a menina da carta?".

Carla(Ribas) confessou sua reação ao ler o texto e suas palavras foram muito acolhedoras.

- Nossa mocinha sua carta foi um estímulo pra todo mundo. Chorei quando li. Tava tão cansada ontem que fiz a peça na raça e hoje foi na raça também.

Momentos depois ouvi a produtora falando que iria me apresentar a alguém. Olhei pra frente e o vi. Era o ator que eu via na propaganda da televisão horas mais cedo. Mas não havia maquiagem e nem qualquer glamour. Havia um indíviduo muito simples, humano e muito acolhedor.

-É ela? perguntou Wagner a produtora.

Ela confirmou que eu era a "moça da carta", levantei da cadeira e ele me abraçou carinhosamente.

-Como vai sua mãe? (perguntou Wagner Moura)

- Tá melhor, graças a Deus.

- Nossa você comoveu a equipe inteira com seu depoimento.

- A Carla Chorou- completou Georgiana.

- É a Carla Ribas ficou muito emocionada. Fica muito grato e muito feliz, não pela situação que você passou é claro, mas pra gente que é ator ter esse retorno do espectador a partir do envolvimento com o espetáculo... é sensacional.

- Obrigada, disse eu timidamente.

Ouvi palavras muito bonitas e nem vou reproduzir o que me falaram, pois tudo está guardado na memória e no coração.

Nem tenho a carta original, que foi escrita em um momento muito difícil, um desabafo emocional, talvez um despejo, literalmente. Quando recebi a ligação aqui em casa, a pedido do Wagner eu não acreditava. Com certeza foi um dos dias mais especiais da minha vida e essa experiência foi tão dignificante que merece ser contada ao mundo.

Superados esses obstáculos, resgitro aqui uma re-leitura do que me ocorreu nesse final de semana, que por um momento cheguei a pensar que terminaria em tragédia. Mas nada acontece por acaso. E mesmo que os leitores não saibam os motivos que me inspiram a fazer esse derramamento de texto, deixo claro que a causa é nobre. E movida por uma fé imensa que me senti na obrigação de agradecer a equipe que, com certeza me ajudou a salvar uma vida. Não vou esquecer disso jamais. E ter recebido um retorno do Wagner foi mais que digno.

E, falando em dignidade, façamos um brinde à arte.

Arte é mais que entretenimento. É vida, celebração, paz de espírito, união. Por ser o que é permite às pessoas revelarem suas características mais simples, singelas, cômicas, puras ou, quem sabe, bizarras. Dizia Schopenhauer que a arte é uma flor que nasce em nossa vida para suavizá-la. Fazendo uma re-leitura agora, talvez poderíamos considerar que a arte é a própria vida e a flor seria o resultado que colhemos de nossas escolhas.

Finalizando esse texto relembro aqui um dialogo que tive com ele, antes de ir embora.

- Posso tirar uma foto Wagner?

- Vamos! Vamos tirar foto. Nil (chamando a produtora).
Tira uma foto pra gente.

(Nesse momento ele olhou pra luz e falou:)

- A luz aqui tá boa?

- Ahh, vamos pra lá que fica melhor (apontou a produtora para um canto do camarim).

Aí tiramos a foto, me despedi e ele falou:

- Felicidades e que tudo de bom aconteça pra você e sua família.

Sorri, deixei o camarim e vou levar pra minha vida inteira as lições de Wagner Moura.
Dedico esse texto à minha mãe que não sabe usufruir da internet, mas declaro meu amor por ela mesmo assim. Meus sinceros e eternos agradecimentos a Wagner e toda equipe do Hamlet. Afinal uma peça envolve desde o limpador do palco ao diretor da peça. Coisas que vem do coração são eternas e não tenho vergonha de contar ao mundo o quanto a equipe me ajudou. A partir de hoje, sou outra pessoa...
Se por acaso você tem um sonho, acredite nele. Nunca perca a fé, porque é através dela que Deus abre caminhos e coloca verdadeiros anjos (digo no sentido simbólico) para nos ajudar e dizer as palavras mais dignas que alguém pode ouvir.

Abraços a todos!

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