“O CINEASTA QUER ENTENDER QUE PAÍS É ESTE”
Um dos atores mais premiados do cinema, teatro e televisão, Wagner Moura recebeu a Caros Amigos em sua produtora, no Jardim Botânico, bairro acolhedor da zona sul carioca.
Por: Bruna Buzzo, Carolina Rossetti, Leandro Uchoas, Luciana
Chagas, Marcelo Salles, MC Leonardo e Sheila Jacob. Fotos: Ângelo Cuissi
Nesta entrevista ele fala sobre sua infância em Rodelas, no sertão baiano, a timidez que lhe valeu o apelido de OVNI numa escola de Salvador, os primeiros passos no teatro e a vinda para o Rio de Janeiro – de onde passou a fazer trabalhos reconhecidos internacionalmente.
Com entusiasmo, defende a importância de Tropa de Elite e fala sobre a montagem de Hamlet e a produção do filme Tropa de Elite 2, que vai abordar a questão dos grupos criminosos formados por policiais, vulgarmente conhecidos como “milícias”. O ator comenta ainda o cercamento, com muros, das favelas do Rio, uma iniciativa conjunta do governo estadual e de empresas privadas.
Marcelo Salles - Wagner, a gente sempre começa pedindo para o entrevistado falar desde a infância, como foi sua criação, seus pais, em que cidade. E aí a gente vai desenvolvendo...
Meu pai é militar da reserva, da aeronáutica. Serviu 32 anos, era sargento. Veio de Rodelas, interior da Bahia, com dezessete anos, no pau-de-arara, como os nordestinos que vêm para ser porteiros, trabalhar na construção civil. Até que entrou como soldado para a Aeronáutica, fez carreira militar, mas a onda dele era estudar. Durante esse tempo ele conseguiu estudar Direito e se formar. Nunca exerceu. Se formou e falou: sou doutor. Eu nasci em Salvador, a minha mãe também é baiana de Rodelas, era dona de casa. Meu pai tinha sido transferido do Rio para Salvador, fiquei lá dois anos, aí ele foi transferido de volta para o Rio. Morei cinco, seis anos em Marechal Hermes [bairro da Zona Norte da capital fluminense]. Fui alfabetizado aqui no Rio, tenho irmã mais nova, médica pediatra de UTI. Meu pai é bem mais velho que minha mãe, tem 73 anos, e sempre foi um nordestino saudoso, desses que ficam ouvindo Luis Gonzaga em casa, e choram, querendo voltar. Quando fechou o ciclo dele, quis voltar para Rodelas, voltamos todos pra lá, isso nos anos 80.
Luciana Chagas – Isso foi um pouco antes da enchente?
Um pouquinho depois, na verdade. A enchente foi em 88, e a gente se mudou em 89 para Salvador. Isso é um negócio que está gravado na minha cabeça de uma forma violenta...
Luciana Chagas – A perda da cidade natal é uma referência?
Rapaz, não. Pra mim, criança, eu achava um barato aqueles peões na cidade, as casas quebradas. Ficava brincando naqueles escombros, lama, mas eu me lembro das pessoas, mais velhas principalmente, sem entender o que estava acontecendo.
Luciana Chagas – Você estava com quantos anos aí?
Nove, dez anos. Tinha uma coisa religiosa muito forte. Eu me lembro da mudança do santo padroeiro da cidade, Santo Antônio, da cidade velha para a nova. Foi uma coisa que antropologicamente era muito forte. As pessoas todas cuidando daquele santo, daquela imagem. Eu me lembro que o santo bambeou, parou, aí uma senhora gritou “São João Batista quer que caia!”, aí todo mundo “quer que caia, quer que caia!”. Lembro da minha mãe chorando. A cidade velha de Rodelas era muito bonita, pequena, tinha três ruas só. Todo mundo se conhecia, qualquer adulto tinha autoridade sobre qualquer criança, você sabia quem era filho de quem. A brincadeira das crianças era no rio São Francisco, nas árvores, nas ruas. E a cidade nova é uma cidade feia, padronizada, com as casas todas iguais. É um negócio muito violento. O teatro que me salvou.
Marcelo Salles – Como é que foi o seu encontro com o Teatro?
Então, eu era esse cara que não tinha nenhum amigo, muito só. Meu apelido na escola era OVNI, sentava sozinho. Eu não me sentia incluído, não me sentia parte daquilo, sabe? Quando eu comecei a fazer teatro eu tinha quatorze, quinze anos. E musicalmente Salvador era, no início dos anos 90, uma ditadura do axé. Nenhuma rádio tocava outra coisa, e os jovens eram muito fascinados por essa cultura do axé, de ir pra festas e pegar menininhas, de pegar o carro do pai. Aqueles blocos de carnaval sectários, onde uma pessoa preta não pode entrar, uma pessoa feia não podia. Eu era muito só, ficava em casa, estudando. Aí eu estava na escola e uma menina chamada Micheline, que era mais velha e fazia parte de um grupo de teatro, num lugar chamado Casa Via Magia, na Federação [bairro de Salvador]. Fazendo aquelas peças na escola ela achou que eu levava jeito, e me levou. Lá eu fiquei encantado e não parei nunca mais.
Leandro Uchoas – Como esses personagens da sua infância alimentam a construção dos seus personagens hoje?
O homem, o artista que eu sou é entranhado disso. Eu sou esse cara que veio dali. Meu DNA é esse. Então um jeito de eu fazer Shakespeare é entranhado dessa minha... A forma como eu leio uma peça dinamarquesa, a porta de entrada é minha percepção, minha cultura.
Luciana Chagas – Acho que ainda em Salvador você poderia falar sobre a banda.
Eu saí de uma escola e fui para uma outra que estava começando. Aí eu conheci Gabriel, meu parceiro que foi cover do The Cure, depois incorporou essa melancolia de música de puteiro, bodegas, de compositores que eu admiro muito que fizeram alegria, compõem de forma apaixonada, sem medo de parecer isso ou aquilo.
Bruna Buzzo – Isso foi com quantos anos?
Quinze, dezesseis. Odair José, Fernando Mendes, Reginaldo Rossi, o próprio Roberto Carlos, Diana, Amado Batista, uma galera que eu escutava muito. Não tem aquele rebuscamento que Chico Buarque tem, mas tem uma beleza, uma coisa singela, brega assim. Olha, eu não tenho vergonha de dizer: “eu te amo! Vou tirar você desse lugar” [cantarolando].
Bruna Buzzo – Como estava sua carreira no teatro nessa época?
O auge do teatro baiano, desde a fundação da Escola de Teatro nos anos 50, até hoje, foram os anos 90. O governo da Bahia investia, as secretarias de Cultura e Turismo andavam juntas, hoje em dia é separado. E o turismo na Bahia dá muito dinheiro. Havia um dinheiro mais disponível e havia uma interação dos artistas do teatro baiano, principalmente depois do sucesso da Bofetada, no final dos anos 80, de produzir coisas assim. Então Fernando Guerreiro, Paulo Dourado, Márcio Meireles, foram os diretores que criaram as melhores coisas nos anos 90. Foi quando eu apareci, apareceu Lázaro Ramos, apareceu Vladimir Brichta, Fábio Lago, uma série de atores de Salvador. Foi ai que o João Falcão me viu fazendo uma peça e me chamou para fazer A Máquina e aí fiquei.
Marcelo Salles – E em termos de cinema nacional, como você está vendo?
Outro dia eu vi uma entrevista com o diretor de Cannes, disse que cinema brasileiro é o cinema do futuro. Eu acho que tem ótimos cineastas, ótimos técnicos, ótimos atores, eu vejo com super bons olhos. E estamos sendo respeitados nos festivais internacionais, os grandes, Berlim, Veneza, sempre tem filme brasileiro lá, se não na mostra oficial, nas paralelas, estão sendo vendidos os nossos filmes lá.
Galeria
Para ler a entrevista completa e outras reportagens confira a edição de junho da revista Caros Amigos, já nas bancas, ou click aqui e compre a versão digital da Caros Amigos.
Fonte: Caros Amigos
Chagas, Marcelo Salles, MC Leonardo e Sheila Jacob. Fotos: Ângelo Cuissi
Nesta entrevista ele fala sobre sua infância em Rodelas, no sertão baiano, a timidez que lhe valeu o apelido de OVNI numa escola de Salvador, os primeiros passos no teatro e a vinda para o Rio de Janeiro – de onde passou a fazer trabalhos reconhecidos internacionalmente.
Com entusiasmo, defende a importância de Tropa de Elite e fala sobre a montagem de Hamlet e a produção do filme Tropa de Elite 2, que vai abordar a questão dos grupos criminosos formados por policiais, vulgarmente conhecidos como “milícias”. O ator comenta ainda o cercamento, com muros, das favelas do Rio, uma iniciativa conjunta do governo estadual e de empresas privadas.
Marcelo Salles - Wagner, a gente sempre começa pedindo para o entrevistado falar desde a infância, como foi sua criação, seus pais, em que cidade. E aí a gente vai desenvolvendo...
Meu pai é militar da reserva, da aeronáutica. Serviu 32 anos, era sargento. Veio de Rodelas, interior da Bahia, com dezessete anos, no pau-de-arara, como os nordestinos que vêm para ser porteiros, trabalhar na construção civil. Até que entrou como soldado para a Aeronáutica, fez carreira militar, mas a onda dele era estudar. Durante esse tempo ele conseguiu estudar Direito e se formar. Nunca exerceu. Se formou e falou: sou doutor. Eu nasci em Salvador, a minha mãe também é baiana de Rodelas, era dona de casa. Meu pai tinha sido transferido do Rio para Salvador, fiquei lá dois anos, aí ele foi transferido de volta para o Rio. Morei cinco, seis anos em Marechal Hermes [bairro da Zona Norte da capital fluminense]. Fui alfabetizado aqui no Rio, tenho irmã mais nova, médica pediatra de UTI. Meu pai é bem mais velho que minha mãe, tem 73 anos, e sempre foi um nordestino saudoso, desses que ficam ouvindo Luis Gonzaga em casa, e choram, querendo voltar. Quando fechou o ciclo dele, quis voltar para Rodelas, voltamos todos pra lá, isso nos anos 80.
Luciana Chagas – Isso foi um pouco antes da enchente?
Um pouquinho depois, na verdade. A enchente foi em 88, e a gente se mudou em 89 para Salvador. Isso é um negócio que está gravado na minha cabeça de uma forma violenta...
Luciana Chagas – A perda da cidade natal é uma referência?
Rapaz, não. Pra mim, criança, eu achava um barato aqueles peões na cidade, as casas quebradas. Ficava brincando naqueles escombros, lama, mas eu me lembro das pessoas, mais velhas principalmente, sem entender o que estava acontecendo.
Luciana Chagas – Você estava com quantos anos aí?
Nove, dez anos. Tinha uma coisa religiosa muito forte. Eu me lembro da mudança do santo padroeiro da cidade, Santo Antônio, da cidade velha para a nova. Foi uma coisa que antropologicamente era muito forte. As pessoas todas cuidando daquele santo, daquela imagem. Eu me lembro que o santo bambeou, parou, aí uma senhora gritou “São João Batista quer que caia!”, aí todo mundo “quer que caia, quer que caia!”. Lembro da minha mãe chorando. A cidade velha de Rodelas era muito bonita, pequena, tinha três ruas só. Todo mundo se conhecia, qualquer adulto tinha autoridade sobre qualquer criança, você sabia quem era filho de quem. A brincadeira das crianças era no rio São Francisco, nas árvores, nas ruas. E a cidade nova é uma cidade feia, padronizada, com as casas todas iguais. É um negócio muito violento. O teatro que me salvou.
Marcelo Salles – Como é que foi o seu encontro com o Teatro?
Então, eu era esse cara que não tinha nenhum amigo, muito só. Meu apelido na escola era OVNI, sentava sozinho. Eu não me sentia incluído, não me sentia parte daquilo, sabe? Quando eu comecei a fazer teatro eu tinha quatorze, quinze anos. E musicalmente Salvador era, no início dos anos 90, uma ditadura do axé. Nenhuma rádio tocava outra coisa, e os jovens eram muito fascinados por essa cultura do axé, de ir pra festas e pegar menininhas, de pegar o carro do pai. Aqueles blocos de carnaval sectários, onde uma pessoa preta não pode entrar, uma pessoa feia não podia. Eu era muito só, ficava em casa, estudando. Aí eu estava na escola e uma menina chamada Micheline, que era mais velha e fazia parte de um grupo de teatro, num lugar chamado Casa Via Magia, na Federação [bairro de Salvador]. Fazendo aquelas peças na escola ela achou que eu levava jeito, e me levou. Lá eu fiquei encantado e não parei nunca mais.
Leandro Uchoas – Como esses personagens da sua infância alimentam a construção dos seus personagens hoje?
O homem, o artista que eu sou é entranhado disso. Eu sou esse cara que veio dali. Meu DNA é esse. Então um jeito de eu fazer Shakespeare é entranhado dessa minha... A forma como eu leio uma peça dinamarquesa, a porta de entrada é minha percepção, minha cultura.
Luciana Chagas – Acho que ainda em Salvador você poderia falar sobre a banda.
Eu saí de uma escola e fui para uma outra que estava começando. Aí eu conheci Gabriel, meu parceiro que foi cover do The Cure, depois incorporou essa melancolia de música de puteiro, bodegas, de compositores que eu admiro muito que fizeram alegria, compõem de forma apaixonada, sem medo de parecer isso ou aquilo.
Bruna Buzzo – Isso foi com quantos anos?
Quinze, dezesseis. Odair José, Fernando Mendes, Reginaldo Rossi, o próprio Roberto Carlos, Diana, Amado Batista, uma galera que eu escutava muito. Não tem aquele rebuscamento que Chico Buarque tem, mas tem uma beleza, uma coisa singela, brega assim. Olha, eu não tenho vergonha de dizer: “eu te amo! Vou tirar você desse lugar” [cantarolando].
Bruna Buzzo – Como estava sua carreira no teatro nessa época?
O auge do teatro baiano, desde a fundação da Escola de Teatro nos anos 50, até hoje, foram os anos 90. O governo da Bahia investia, as secretarias de Cultura e Turismo andavam juntas, hoje em dia é separado. E o turismo na Bahia dá muito dinheiro. Havia um dinheiro mais disponível e havia uma interação dos artistas do teatro baiano, principalmente depois do sucesso da Bofetada, no final dos anos 80, de produzir coisas assim. Então Fernando Guerreiro, Paulo Dourado, Márcio Meireles, foram os diretores que criaram as melhores coisas nos anos 90. Foi quando eu apareci, apareceu Lázaro Ramos, apareceu Vladimir Brichta, Fábio Lago, uma série de atores de Salvador. Foi ai que o João Falcão me viu fazendo uma peça e me chamou para fazer A Máquina e aí fiquei.
Marcelo Salles – E em termos de cinema nacional, como você está vendo?
Outro dia eu vi uma entrevista com o diretor de Cannes, disse que cinema brasileiro é o cinema do futuro. Eu acho que tem ótimos cineastas, ótimos técnicos, ótimos atores, eu vejo com super bons olhos. E estamos sendo respeitados nos festivais internacionais, os grandes, Berlim, Veneza, sempre tem filme brasileiro lá, se não na mostra oficial, nas paralelas, estão sendo vendidos os nossos filmes lá.
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Para ler a entrevista completa e outras reportagens confira a edição de junho da revista Caros Amigos, já nas bancas, ou click aqui e compre a versão digital da Caros Amigos.
Fonte: Caros Amigos
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