Fiel à violência do dia-a-dia e às ações do Bope, "Tropa de Elite" tornou-se fenômeno de público antes mesmo da estréia.
O lema do Batalhão de Operações Especiais, o Bope, se aplica à trajetória do filme ‘Tropa de Elite’: ‘Melhor seria, se pior fosse’. E pior não podia ter fi cado: o filme virou o maior fenômeno da pirataria do cinema nacional, oferecido em camelôs País afora, com 140 mil acessos por dia no YouTube até ser tirado da rede, e já ultrapassou fácil os 400 mil DVDs piratas de ‘2 Filhos de Francisco’. Mas como os integrantes do Bope, o diretor José Padilha e sua equipe parecem treinados para encarar a adversidade não como obstáculo, mas apenas algo que deve ser realizado. A missão da tropa é transformar o gigantesco boca-a-boca clandestino a favor do filme, que foi feito com R$ 10 milhões.
"Na verdade, eu não esperava que o filme fosse visto antes da sua estréia. Mas eu sabia que o assunto era polêmico. Afinal, a polícia é instituição importante para qualquer sociedade. Eu imaginava que o filme ia gerar debate", conta Padilha, que quis fazer uma narrativa do ponto de vista dos policiais, depois da experiência do documentário ‘Ônibus 174’._disse Padilha nessa entrevista ao Dia.
Ouviu a história de diversos deles, inclusive a do ex-capitão do Bope Rodrigo Pimentel, que colabora no roteiro de Bráulio Mantovani (‘Cidade de Deus’) e é uma das inspirações para o protagonista Capitão Nascimento, feito por Wagner Moura. "Tinha que ser um cara bonito", brinca Pimentel, que faz a conta da pirataria. "Não precisa de muito para ser pirata hoje em dia: é só ter computador em casa", avalia ele, que acha que o longa já foi visto por dois milhões de pessoas. "Todo lugar aonde eu vou, pergunto quem viu e todos dizem sim. Das classes A, B e C. Um em cada quatro cariocas já assistiu".
Dessa tropa pirata, Padilha só quer uma coisa: que invadam os cinemas. "Espero que quem comprou ou viu a versão pirata vá conferir a versão definitiva do filme".
"Os atores passaram apertos"
Por que resolveu fazer esse filme sobre a polícia? A experiência do ‘Ônibus 174’ te ajudou?
A idéia nasceu do fato de que quase todos os filmes sobre violência urbana no Brasil, senão todos, foram narrados do ponto de vista do indivíduo marginalizado que se tornou criminoso. Não havia fi lme feito do ponto de vista de policiais. E ‘174’ me fez perceber que não se pode compreender violência urbana no Brasil sem se entender o ponto de vista da polícia.
Como foram os dois anos em que colheu o depoimento dos oficiais do Bope?
Ouvi muitas pessoas ligadas à polícia. Algumas no ‘174’ e outras em ‘Tropa’. E não foram apenas oficiais: também soldados e sargentos, além de médicos e psiquiatras. Ouvi essas pessoas informalmente, com o intuito de entender sua visão sobre a polícia e a instituição policial, e de buscar inspiração para compor o enredo do filme e seus personagens.
Cite um desses relatos...
Um PM que fazia o policiamento da Praia de Copacabana na virada do ano contou que no momento dos fogos as pessoas se cumprimentavam sem sequer olhar para ele. Ele disse que nunca imaginou que alguém pudesse se sentir sozinho no meio de tantas pessoas. Este relato, apesar de não ser chocante, reflete a deterioração muito grave na relação entre a população e a polícia. O fi lme pretende abordar os motivos de tal deterioração.
Os atores passaram por treinamento igual ao do Bope?
Todos entenderam que não poderíamos fazer o filme sem esse tipo de treinamento, pois teríamos que filmar seqüências de ação. E uma preparação meramente por observação não daria resultado. Os atores passaram por alguns apertos.
Acredita que o filme possa mudar a polícia?
Só quem pode mudar a polícia são os governantes. Felizmente, o governador está fazendo mudanças importantes. A despolitização dos batalhões e delegacias já é realidade. E a determinação de terceirizar a frota dos batalhões foi tomada muito antes de o filme vazar.
Em seus próximos filmes, como pretende se proteger da pirataria?
Isso vai continuar acontecendo enquanto a indústria da pirataria não for vista como é: atividade criminosa. A cultura que a pirataria democratiza é a da sonegação fi scal, do trabalho informal sem direitos reconhecidos, da concorrência desleal, do desrespeito à lei e do descaso pela propriedade intelectual.
O filme foi prejudicado?
A pirataria não afeta apenas os filmes e suas carreiras. Ela afeta a economia como um todo.
‘Tropa’ pode mudar a visão da pirataria no Brasil?
Não.
Estreante já está famoso
A conta de Pimentel, de que um em cada quatro cariocas já assistiu a ‘Tropa de Elite’, pode não estar distante da realidade. Todo mundo fala com Wagner Moura porque ele é o supervilão Olavo de ‘Paraíso Tropical’. Caio Junqueira, que faz o aspirante Neto, é assediado, mas as pessoas podem lembrar dele também da TV. Já o estreante André Ramiro, 26 anos, o aspirante Matias, é reconhecido nas ruas exclusivamente pela pirataria de ‘Tropa’.
"Meu Orkut está bombando", diz. "Essa semana, no ônibus, um cara veio sentar do meu lado e fez um monte de pergunta. Na rua é sempre assim, quando as pessoas não vêm falar, ficam olhando, acenam, gritam ‘Fala Matias!’. Isso é o reconhecimento do meu trabalho". Com o cachê dos fi lmes (‘Tropa’ e ‘174’, de Bruno Barreto, em fase de produção), o também rapper da Vila Kennedy grava um CD, na Gávea.
"Estava descendo de lá no carro de um amigo e tinha blitz. Eles nos pararam e mandaram a gente descer. No meio do processo, um dos policiais me reconheceu", conta André. Num rápido passeio pela Praia de Ipanema, para a foto desta página, foi fácil verifi car o assédio: vendedor de bijuteria, banhista e até uma equipe inteira de jogadores de vôlei foram cumprimentar o ator. "Ei! Matias!", dizia um, enquanto o amigo gritava: "Fala 05!".
Todos correram para cima. "Eu o vi no calçadão e pensei: ‘Poxa, igualzinho ao Matias’. Quando chegou mais perto, vi que era ele. Aí fui mostrar para todos aqui", contou Fabiano Mescolin, 15 anos. "Nós assistimos ao filme juntos numa festa", lembrou o jovem. "Você está ótimo", elogiou Fabiano. Envergonhado, André sorriu.
Wagner bateu de verdade
Para afinar a tropa que ia rodar o filme no Morro dos Prazeres e Chapéu Mangueira – onde uma van com armas cenográficas foi roubada –, o elenco foi preparado por um capitão de verdade, Paulo Storani, ex-coordenador do curso de Operações Especiais e secretário de Segurança de São Gonçalo. No treino, Wagner virou 01. Todos foram submetidos à ‘pedagogia da humilhação’, em que se faz alarde sobre pequenos erros. Seis não agüentaram a pressão e pediram para sair e um sétimo foi tirado por levar a sério demais. Mas Wagner, que tinha acabado de ser pai, estava zen. "Fui dar uma sacudida nele e peguei no ponto fraco: o filho. Ele ficou acuado, fechou o rosto e mandou um cruzado de direita. Acertou meu nariz, que começou a sangrar. O Capitão Nascimento nasceu ali", conta Storani. "Aí, o Padilha me disse: como é que você foi machucar a mão do Wagner Moura?", ri.
Fonte: O Dia
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