Tropa de Elite: "Um filmaço"


Não poderia ter sido melhor a abertura do Festival do Rio, com a exibição de um dos melhores filmes do ano, e, porque não dizer, um forte candidato a um dos mais polêmicos também. Vítima de uma investida brutal da pirataria há um mês, “Tropa de Elite”, que conta a história do Bope – o Batalhão de Operações Policiais Especiais da PM do Rio -, foi visto “como deveria ser visto”, acentuou o diretor José Padilha, se referindo à exibição do longa na telona na noite desta quinta-feira em sessão fechada para convidados, no Cine Odeon, na Cinelândia, centro do Rio.

Na porta do cinema, tapete vermelho, aglomeração e gritaria de fãs e o assunto pirataria em destaque no assédio de jornalistas aos convidados, a maioria atores, diretores, produtores de cinema, gente ligada à produção cultural do país. Difícil era encontrar alguém que não tenha ao menos flertado com uma cópia pirata do filme de ação policial. Ao chegar ao Odeon, o ator Ângelo Antonio, que interpretou o personagem Francisco, pai da dupla sertaneja Zezé di Camargo e Luciano em “2 Filhos de Francisco” – que o presidente Lula assistiu em uma cópia pirata no Palácio do Planalto –, disse que chegou a assistir um pedaço de “Tropa” em um táxi. “Peguei um táxi que tinha um DVD e passava o filme. Cheguei a ficar dando voltas, alongando o caminho, só para ver um pouquinho mais da trama”, confessou o ator, ressaltando que estava muito ansioso para ver o filme no cinema. Ângelo Antonio disse que se recusou a comprar uma cópia pirata, mas admitiu: “se me emprestassem uma eu assistiria”.

Crítico ferrenho da pirataria, o ator José Wilker, vestido a caráter com um traje black tie, voltou sua artilharia para o consumidor do produto pirateado: “É tão criminoso fazer pirataria quanto comprar CD ou DVD pirata. O crime é o mesmo. Por formação, não aderi a essa canalhice. Esse assunto merece o meu desprezo”. Ao analisar a trama – que aborda tortura e corrupção policial, Wilker destacou que hoje a polícia é tão assustadora quanto os bandidos. “A polícia é mal paga, mal preparada, foi sucateada e quase faliu em uma época recente. A corrupção acaba sendo uma conseqüência disso tudo”.

Sentado em uma das primeiras fileiras do cinema, o ator e diretor de cinema, Hugo Carvana, que interpreta o Belizário, na novela Paraíso Tropical, chegou a sugerir que a pirataria pudesse fazer parte de uma jogada de marketing para promover Tropa de Elite. “Acho que pode ser uma bela jogada de marketing muito bem feita pela produção e distribuição do filme. Foi boa essa onda toda. Torço para que ‘Tropa’ tenha uma boa bilheteria, e poderá ter a partir de agora. Veja bem: não estou acusando ninguém, mas, muitas vezes, é díficil colocar o produto na mídia, em evidência, e esse é um recurso”.

Zelito Viana, outro cineasta, chegou ao Odeon com uma tremenda expectativa em relação ao filme de José Padilha. E sobre a pirataria, foi enfático: “Acho que é um grande filme, e essa pirataria toda é um absurdo. Todo mundo que eu conheço viu o filme. Até na minha casa apareceu uma cópia pirata, mas me recusei a ver”, garantiu Zelito. Para o ator Caio Blat, o problema da pirataria de ‘Tropa’ abre uma discussão importante sobre o acesso dos mais carentes ao cinema brasileiro. “Tem que se fazer um debate sobre essa bagunça toda que foi a pirataria em torno do filme do Padilha. Eu defendo que se legalize o camelô. Por que as produtoras e distribuidoras não disponibilizam cópias originais para os ambulantes? Se o povo está comprando nas ruas a R$ 2, R$ 5, é porque tem gente que quer ter acesso ao cinema e não pode. Legaliza logo! A gente faz cinema com dinheiro público e o grande público (não a classe média) fica sem acesso às salas”, afirmou Blat.

O tumulto com a entrada de convidados na sala de exibição foi tanto que o elenco e a produção de Tropa de Elite entraram no cinema dispensando a passarela com tapete vermelho. Na porta, a tradicional foto com todos, em meio a cotoveladas e empurra-empurra de jornalistas, fotógrafos e cinegrafistas. O ator Caio Junqueira, que interpreta o aspirante a oficial Neto, disse ao entrar que a expectativa dele era a melhor possível para a exibição do longa. “O filme é tudo, com uma bela qualidade que se deve à equipe toda que participou do projeto do diretor José Padilha”.

Pouco depois da chegada do elenco, com a sala lotada de atores e convidados, o dono do Cine Odeon, Nelson Krunholz, mandou trancar a porta. E ninguém mais entrou. Mas não foi bem assim. Eu, que estava do lado de fora neste momento, consegui uma brecha no restaurante ao lado, e garanti meu lugar na platéia.

Cinema lotado e, no final, a polícia em cheque

Dentro da sala de exibição lotada, com mais de 600 pessoas, coube a Ney Latorraca e Mariana Ximenes o papel de mestres de cerimônia. A atriz, muito nervosa, chegou a errar duas vezes o texto e engasgou ao tentar dizer a palavra “consolida”. Houve um pequeno constrangimento quando Mariana pediu que Ney voltasse a repetir sua deixa. O ator não perdeu a pose nem a chance de esboçar um deboche durante a leitura.

Ao subir ao palco, o diretor José Padilha disse que para ele chegar até ali era “uma missão cumprida - como diz a polícia”. Antes da exibição, provocou a platéia: “quem já viu ‘Tropa de Elite’ pirata levanta o dedo!” A resposta foi um risada geral com os braços abaixados. Depois da foto com todo o elenco e produção no palco, o filme, enfim, começou.

A platéia aplaudiu em vários momentos da trama. No final, o comentário era um só: “que filmaço!”, exclamou o ator Carlos Aberto Richelli, ao lado da mulher Bruna Lombardi, resumindo o sentimento de todos.

O secretário de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame, gostou do filme e frisou que a polícia dele (a atual) é melhor do que a representada no longa, que se passa em 1997. “Há uma leitura clara no filme: o consumidor de droga é o mesmo que clama por segurança pública, apesar de fomentar um negócio perigoso ao comprar um cigarro de maconha. E a Polícia Militar de hoje é melhor do que a PM de dez anos atrás”, comentou Beltrame, ao responder a uma pergunta sobre a tortura promovida pelo Bope e a corrupção dentro da instituição Polícia Militar, temas que fazem parte do roteiro do filme.

O ex-secretário Nacional de Segurança, Luiz Eduardo Soares, um dos autores do livro Elite da Tropa, que inspirou a trama de José Padilha, contestou o secretário Beltrame. “Hoje, nós temos no Rio de Janeiro um secretário melhor do que o que tínhamos em 1997, no entanto, o Bope também mudou, e para pior. Não existe mais esse Bope incorruptível de dez anos atrás, como o que foi mostrado no filme”.

O diretor José Padilha ficou satisfeito com a resposta do público presente. “Recebi o cumprimento de muitos diretores. Acho que ninguém vai me dizer que não gostou, mas nunca imaginei que o filme fosse cair no gosto do público dessa maneira”. Padilha disse que não sabe se a bilheteria de ‘Tropa’ vai sofrer com a pirataria. “Não sei avaliar, ninguém sabe avaliar. O que eu acho é que pirataria atrapalha”.

O ator Wagner Moura, protagonista do filme na pele do capitão Nascimento, afirmou que ficou muito feliz com o resultado do longa. “Fiquei contente de ver o filme na tela grande. A sensação é muito boa, do dever cumprido”. Sobre a pirataria, Wagner foi discreto: “não sei se o que aconteceu antes da pré-estréia vai ajudar ou atrapalhar a bilheteria do filme. A pirataria foi bastante nociva, é lamentável”.

“Tropa de Elite” estréia nesta sexta-feira no Espaço de Cinema 2, que fica na Rua Voluntários da Pátria, 35, em Botafogo, na zona sul do Rio, credenciado a ser a grande sensação do Festival do Rio que, este ano, conta com cerca de 370 filmes de 60 países, divididos em 20 mostras espalhadas por mais de 30 salas. Para quem ainda não viu, o filme de ação policial exibe momentos de tensão em uma trama muito bem roteirizada, dirigida e interpretada. E, aos piratas de plantão, é bom ressaltar que na tela grande o longa apresenta um dinamismo que vale a pena ver de novo.

Fonte: SRZD

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