Vips



Marcelo Nascimento da Rocha hoje cumpre pena no presídio em Jaru, em Rondônia. Mas antes da vida atrás das grades, criou um mundo paralelo, todo baseado na mentira.

No livro "Vips - Histórias reais de um mentiroso" (Editora Jaboticaba, 2005), Mariana Caltabiano organiza o depoimento dele e mostra as peripécias de um dos maiores mentirosos do país. Em 2010, ele vai estar também nas telonas, em um longa produzido pela O2, na pele de Wagner Moura. É autor também do livro "Fábrica de Monstros" (Editora Jaboticaba, 2009).

Criando vários personagens, Marcelo apareceu em capas de jornais e revistas, além de programas de televisão. Se fez passar por policial, tenente, líder do PCC, fazendeiro, fiscal da receita federal, olheiro da seleção, repórter de televisão e até guitarrista da banda Engenheiros do Havaí. No livro, conta como enganou o departamento de entorpecentes dos Estados Unidos, liderou rebeliões e até conseguiu fugir da prisão - quatro vezes.

O golpe mais conhecido dele, no qual se passou por Henrique Constantino, filho do dono da Gol Linhas Aéreas, apareceu em rede nacional e se aproximou de famosos. "Com toda a minha experiência, trinta anos de profissão, eu deveria ter percebido, mas não percebi porque o cara era perfeito", afirmou o apresentador Amaury Jr, que o entrevistou achando que ele era mesmo um playboy conhecido. Mas como Marcelo fez tudo isso? Segundo Mariana relata, ele descobria o ponto fraco das pessoas e usava isso a seu favor, enganando todo tipo de gente.

Marcelo é paranaense e tem 33 anos. É o caçula de cinco irmãos e, já criança, desenvolveu um método para andar de ônibus pela cidade de Curitiba sem precisar pagar. Aos 8 anos, abordava o motorista e dizia ser o sobrinho do dono da companhia. Esse comportamento já na infância, livre de represália dos pais ou da sociedade, pode ter desencadeado esse comportamento que Marcelo carregou durante o resto da vida.

A psicóloga e terapeuta Maria José Coletti explica que, muitas vezes, a mentira se torna "natural" em decorrência da própria criação e das relações culturais que cada pessoa estabelece, desde a infância. "Se a família reforça padrões ideais, é possível que todos passem a viver dessa imagem criada, em cima do idealizado, com máscaras", explica. Assim, as pessoas começam a viver aquilo que não são. "É responsabilidade da família ensinar a importância do respeito e, mais do que isso, estimular a consciência de valores importantes. Não fazendo isso, é possível que, já na infância, se desencadeie um processo de mentira compulsiva".

Maria José diz ainda que a dependência da mentira não difere muito daquela que as pessoas sentem por drogas ou álcool, por exemplo. A "mitomania", que é a mania de mentir, foi originalmente conceituada em 1905, pelo médico e psiquiatra francês, Ernest Dupré. Ele escreveu que a mentira é a "tendência patológica à fabulação consciente. As histórias imaginárias do mitômano são, às vezes, pobres de conteúdo, e inverossímeis, outras vezes, pitorescas, bem concatenadas, pelo que induzem à convicção". A compulsão não se revela propriamente pela mentira em si, mas, fundamentalmente, pela vantagem pessoal ou prejuízo causado aos outros.

No artigo chamado "A doença da mentira", o psiquiatra Albert Zeitone ilustra a questão. Segundo ele, o mitômano usa a mentira de forma consciente para ludibriar pessoas, tirar vantagens. "A amoralidade e a insensibilidade são suas marcas registradas. A mentira vira um estilo de vida. Vemos isso com bastante frequência na política, na figura de líderes mundiais, alpinistas populistas".

Além dos fatores sócio-psicológicos da pessoa afetada - que na maioria das vezes buscam a aceitação daqueles que o rodeiam -, é preciso considerar a questão fisiológica. Um estudo feito na Universidade da Califórnia do Sul, em 2005, descobriu que o cérebro daqueles que sofrem com a mentira compulsiva tem 26% mais massa branca que os demais. Essa é a massa que atua na transmissão de informações, enquanto a cinzenta as processa. Os pesquisadores acreditam que a existência de mais massa branca estimularia a mentira. A ligação entre a massa branca e a personalidade ludibriadora poderia, então, ser decorrência do fato de que ela aumentaria a capacidade cognitiva da pessoa para que não fale a verdade.

Para Maria José, esse tipo de descoberta reforça a ideia de que um forte componente das dificuldades dessas pessoas talvez esteja, pelo menos em parte, além do controle. A cura desse indivíduo, portanto, pode ser mais complicada do que se imagina.

Fonte: Terra

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