Um novo caminho para Tropa de Elite



Na disputa do Festival de Berlim, que começa na quinta-feira, filme de José Padilha poderá finalmente ser discutido como uma obra de cinema

Para o diretor José Padilha, a seleção de Tropa de Elite para a mostra competitiva do Festival de Berlim tem um doce sabor de revanche. No Brasil, o filme foi visto por cerca de 2,5 milhões de espectadores nos cinemas e multiplicou este número por quase seis no chamado mercado 'informal', pois Tropa de Elite virou um fenômeno de pirataria muito antes de estrear nas salas. Tudo isso e mais a violência do filme, seu olhar sobre o Bope, Batalhão de Operações Especiais, e a criação de um personagem como o Capitão Nascimento - que, somado ao Olavo da novela Paraíso Tropical, transformou o ator Wagner Moura no homem do ano -, fez de Tropa de Elite uma obra muito polêmica por seu significado político e sociológico, mas cinema, mesmo, pouca gente se preocupou em dissecar a construção dramática e a simetria audiovisual, ou ainda a montagem de Tropa de Elite.

Para Padilha, a ida a Berlim recoloca as coisas nos eixos. Como Zagallo que, vitorioso, dizia que a torcida brasileira ia ter de agüentá-lo, o diretor de Tropa de Elite espera que agora, finalmente, seu filme seja valorizado, ou debatido, como cinema. 'O público de Berlim não tem o envolvimento do brasileiro em relação ao assunto. Aqui, o Capitão Nascimento virou um herói, embora ele não tenha sido concebido, nem desenvolvido, desta maneira. Estou muito curioso para saber como vai ser a recepção do filme em Berlim.' Padilha diz isto para o repórter numa conversa no jardim (ou será pátio?) de sua produtora, na Lagoa, no Rio. Wagner Moura, que mora ali perto, veio a pé.

Wagner está cheio de expectativa em relação a Berlim. Ele já foi a Cannes com Cidade Baixa, de Sérgio Machado, no qual dividia a cena com Alice Braga e Lázaro Ramos. Alice fez a festa na Croisette. Talvez tenha sido ali que ela catapultou sua carreira internacional. E Wagner? 'Quero ver, conhecer, sou muito curioso. Pelo que me diz o Zé (Padilha), acho que o filme já está acontecendo por lá.'

José Padilha não pára de dar entrevistas por telefones para jornais alemães (e europeus, de maneira geral). O Brasil tem tradição de premiação na Berlinale - e até já ganhou o Urso de Ouro, por Central do Brasil, de Walter Salles. Três atrizes brasileiras já receberam o prêmio de interpretação: Marcélia Cartaxo, por A Hora da Estrela; Ana Beatriz Nogueira, por Vera; e Fernanda Montenegro, justamente por Central do Brasil.

A curiosidade por Tropa de Elite antecede a própria exibição do filme, que ocorre logo nos primeiros dias do festival que começa na quinta-feira. Afinal, todo mundo já sabe da reputação polêmica de Tropa de Elite no Brasil.

A própria seleção para Berlim é uma história que merece ser contada. 'Nosso primeiro convite foi para o Panorama, uma das mostras paralelas, o que já seria bacana. Mas o Harvey Weinstein, distribuidor internacional de Tropa de Elite, queria a competição, que daria uma visibilidade maior ao filme. Ele pressionou a organização, dizendo que, se não fosse para a competição, o filme iria para o Sundance. A direção-geral decidiu-se logo e o Tropa foi um dos primeiros filmes anunciados, antes que toda a seleção fosse divulgada', conta Padilha.

Ele está prestes a entrar no seleto grupo de diretores brasileiros com carreira internacional. Como Walter Salles e Fernando Meirelles, após outro filme-fenômeno (Cidade de Deus), Padilha já tem recebido convites para filmar nos EUA. Por mais atraente que isso possa ser, seu interesse não é ficar se repetindo, nem virar um diretor de ação. Tropa de Elite foi uma obra pensada para refletir o Brasil. Com Ônibus 174, Padilha expôs o ponto de vista do traficante. Com Tropa de Elite, o da polícia. De alguma forma, ambos os filmes formam um díptico na sua cabeça, e não importa que um seja documentário e outro, ficção. 'Dei ao Wagner, o mesmo nome do garoto do Ônibus, Sandro. Não é uma mera coincidência', ele destaca.

Na cabeça de Padilha, de uma forma muito clara, o Capitão Nascimento, Sandro, não é um herói, mas foi assim que a maioria do público brasileiro, carente de segurança, o recebeu. Ele também corrige uma informação que deu muito o que falar desde setembro do ano passado, quando Tropa de Elite inaugurou o Festival do Rio (e já era num grande sucesso de vendas no mercado pirata de DVDs). A tese do filme, de que a classe média financia o tráfico, provocou prós e contras na imprensa. Hoje, Padilha substitui a palavra 'financia' por 'sustenta' e nisto vai uma diferença e tanto. Decepciona-se quem gostaria de ver o diretor, às vésperas do Festival de Berlim, polemizar com seu colega brasileiro Mauro Lima, que, em Meu Nome Não é Johnny - grande êxito de público do cinema brasileiro neste começo do ano -, estaria dando uma resposta a Padilha e à sua Tropa de Elite, livrando a cara da classe média. 'Não vi', ele responde singelamente.

O problema, naturalmente, é complexo. A classe média, como consumidora, sustenta o tráfico, mas aposta no Capitão Nascimento para seguir dormindo em paz. Ele mata, tortura, faz o que for preciso, em nome da lei e da ordem. Não é um herói hollywoodiano, nem um personagem politicamente correto. É um personagem real, torturado intimamente (e a interpretação de Wagner Moura dá conta desta complexidade). Foi isso o que tornou Tropa de Elite atraente para os irmãos Weinstein, que já haviam distribuído Cidade de Deus nos EUA, colocando o filme de Fernando Meirelles em quatro categorias do Oscar (melhor diretor, fotografia, roteiro adaptado e montagem), um ano depois de ele ter ficado de fora da categoria de melhor filme estrangeiro, para a qual fora oficialmente indicado pelo Brasil. Tropa de Elite também concorreu à indicação pelo Brasil, mas foi preterido em função de O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias, de Cao Hamburger, que ficou entre os nove finalistas da categoria. Quem sabe Berlim e um futuro lançamento nos EUA também não colocam Tropa de Elite na rota do Oscar

Padilha lembra que a narração em off, tal como está concebida, foi um recurso que surgiu na montagem, e não com a preocupação de didatismo, mas para expressar as contradições dos protagonistas (e não apenas do Capitão Nascimento). A versão que vai para Berlim é exatamente a que foi lançada nos cinemas brasileiros. Nada foi mudado.

No Brasil, houve quem (quais críticos?) dissesse que o filme era 'vazio'. Padilha vangloria-se de que seu filme 'vazio' seja tema de mais de duas dezenas de teses (que ele conheça, inclusive no exterior). Seu sonho é ver o filme no Oscar. Mas, de todas as categorias, a que mais o recompensaria seria ver Wagner Moura indicado para melhor ator.

Padilha tem destacado muito a figura e a contribuição do ator em suas entrevistas para a imprensa alemã. Quem sabe? Wagner sorri. O Capitão Nascimento e Olavo, tão diferentes, fizeram dele uma rara unanimidade nacional. O que o policial justiceiro e o empresário mau-caráter têm em comum? 'São primos, como todos os meus personagens. Afinal, sou eu que dou vida a todos eles.'

Fonte: Estadão

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